No dia 15 de
dezembro de 1986, há 31 anos, o piloto Ayrton Senna, então da equipe Lotus,
concedeu uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que ficou célebre
por suas respostas sobre diversos assuntos levantados por jornalistas
renomados, como Galvão Bueno, Reginaldo Leme, Marcelo Rezende, Castilho de
Andrade, entre outros.
Imagens cedidas pelo Cedoc-tvcultura/SP
Leia a transcrição abaixo:
Paulo Markun: Boa noite! Há cinco anos na
curva de Tamburelo, do circuito de Imola na Itália, terminava a carreira de uma
grande esportista brasileiro. Mais do que isso, acabava ali a vida de um ídolo
nacional, o piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna da Silva. Você vai rever agora a
histórica entrevista que Senna deu aqui no Roda Viva em 86, pouco depois de ter
feito, pela primeira vez, o gesto que viraria sua marca registrada, carregando
pela volta de comemoração a bandeira do Brasil. Mas antes vamos ver um
depoimento da irmã dele, Viviane Senna.
Viviane Senna: A paixão pelas pistas, pela
velocidade, pelas corridas, não resumia o homem Ayrton Senna. Ao lado disso,
havia também uma enorme paixão pelo Brasil, que se manifestava de muitas formas
e se manifestou dois meses antes do acidente através de um desejo que ele
deixou e que permaneceu entre nós como uma semente, que era a vontade que ele
tinha de ajudar as crianças e os jovens brasileiros a ter aquilo que ele teve,
que você teve, que eu tive, mas que a maioria delas não têm, que é a
oportunidade. A oportunidade de ter acesso à educação, de ter acesso ao
trabalho, de ter acesso à saúde, de ter acesso à esperança, e que essa grande
parte de crianças e adolescentes brasileiros não têm. Foi justamente dessa
paixão, desse amor que ele tinha pelo país, que nasceu o Instituto Ayrton
Senna, que deixou de ser uma semente. Hoje é uma realidade que está mudando a
vida dessas crianças, desses jovens. Hoje atende mais de 180 mil crianças em
todo o país e mostra que é possível, sim, mudar situações, é possível mudar o
que está acontecendo e a gente não precisa mudar de profissão pra isso. O
Ayrton como esportista pôde e está ajudando o país a mudar as condições de vida
de muitas crianças. Todos nós podemos fazer alguma coisa e eu acho que o Ayrton
não é uma exceção, ele é a regra que mostra isso. E eu acho que poder se
constituir em parte de soluções para o Brasil, tranformar essas crianças em
parte de soluções para o país, ao invés de deixá-las nas condições de problemas
é uma tarefa linda, que o Ayrton deixou para nós, da qual todos nós podemos
participar. Eu acho que, mesmo a despeito das condições que elas vivem lá, de
subnutrição, de falta de acesso à educação, saindo lá nas últimas filas, quando
elas recebem essa oportunidade, elas demonstram, elas nos provam que, como o
Ayrton, tendo as condições necessárias, elas podem chegar à linha de chegada,
cruzar essa linha de chegada como campeões, como cidadãos. É exatamente esse o
objetivo que o instituto tem e que nasceu desse desejo do Ayrton, que hoje
todos nós podemos partilhar e que é cada vez mais partilhado, não só por nós do
Instituto, mas por outras organizações, outras fundações, grandes empresas que
se somaram a isso e estão transformando essa oportunidade, para cada vez um
número maior de crianças no Brasil. Nós esperamos que isso possa continuar cada
vez mais.
Rodolpho Gamberini: Boa noite! Nós estamos
começando neste momento mais um Roda Viva, o programa de entrevistas e debates
da TV Cultura de São Paulo. E nosso entrevistado desta noite é Ayrton Senna, o
piloto de Fórmula 1. Para participar deste Roda Viva estão conosco: Reginaldo
Leme, jornalista da TV Globo de São Paulo; Marcelo Resende, jornalista da
revista Placar, trabalha no Rio de Janeiro; Jorge Seadi, jornalista da TV
Gaúcha; Alan Vinhé, jornalista da TV Globo do Rio de Janeiro; Galvão Bueno,
jornalista da TV Globo, também do Rio de Janeiro; Élcio de São Thiago, diretor
do Automóvel Clube do Estado de São Paulo; Castilho de Andrade, jornalista do
Jornal da Tarde; Claudio Carsugui, editor técnico da revista Quatro Rodas;
Fernando Calmon, jornalista da TV Manchete e revista Manchete. Ayrton, enquando
a gente estava aqui esperando você chegar para começar o Roda Viva, houve uma
certa preocupação de que você iria chegar atrasado no programa. Primeiro porque
você tem fama de não cumprir muito o seu horário, mas o que é mais grave, você
tem fama de dirgir muito mal na cidade. Diz-se que, uma certa vez, você, aqui
em São Paulo, bateu um carro, que em uma semana você bateu o carro três vezes.
É verdade?
Ayrton Senna: Pô, as más línguas correm mesmo,
né? Não, eu costumo chegar na hora certa, não atrasado.
Rodolfo Gamberini: Mas é verdade essa história
que você bate muito o carro quando você está dirigindo na cidade?
Ayrton Senna: Não, isso aí são as más línguas.
Rodolpho Gamberini: Mas você nunca bateu?
Ayrton Senna: Já perdi a conta, vai. Nunca
presto atenção no trânsito.
Rodolpho Gamberini: Você não presta atenção?
Ayrton Senna: Ah, isso é um grande defeito. A
gente, por estar sempre guiando um automóvel, acaba achando que sabe muito e no
fundo não sabe nada, né? Vive dando trombada por aí. Mas nunca machuquei
ninguém, não.
Rodolpho Gamberini: E como é que as pessoas
reagem quando você dá uma batida, aí sai de dentro do carro, o Ayrton Senna, o
sujeito se sente honrado ou enfurecido? [risos]
Ayrton Senna: Você tinha que perguntar para
eles. Faz muito tempo que não bato num carro, pra dizer a verdade. E a última
batida que eu dei, o pessoal acho que ainda não me conhecia. Então ficou por
isso mesmo. O pessoal ficou bravo mesmo porque eu bati, acharam ruim, tive que
pagar e, enfim! Mas ultimamente eu não bati, não.
Rodolpho Gamberini: Esse teste da
popularidade, agora, você ainda não fez, pelo menos batendo de carro…
Ayrton Senna: Não. Batendo de carro, não. De
outras formas sim. Na estrada, de vez em quando.
Rodolpho Gamberini: O Reginaldo Leme tem uma
pergunta pra fazer pra você aí.
Reginaldo Leme: Eu começaria dizendo, sem
dúvida nenhuma, como piloto, como Ayrton Senna na pista, você é indiscutível.
Então eu queria perguntar a você se fora da pista, você já se sente na Fórmula
1, um sujeito apto a disputar um título mundial? Fora da pista. Pelo
comportamento fora da pista.
Ayrton Senna: Ô, já foi direto, heim? Não deu
nem folga, nem deu nem uma aquecida. Olha, eu acho que apenas iniciei na
Fórmula 1. Tenho 3 anos, sou bastante jovem e tenho ainda dentro de mim todo
aquele ímpeto, aquela vontade de chegar lá rápido. Mas, embora com esse ímpeto,
nesse tempo que eu fiz de kart na minha vida, praticamente toda a minha vida, a
gente adquiriu experiência, de uma forma natural e isso ajuda muito. Eu,
particularmente, acredito, lógico, que tenho condições de lutar com qualquer
outro piloto, por uma boa colocação e por um campeonato. Mas não é fácil,
dentro ou fora da pista é muito difícil, Reginaldo, porque você muitas vezes
encontra adversários que são bem mais difíceis do que o carro de corrida, ou um
ou outro piloto. Enfim, você está bem dentro da Fórmula 1, você sabe o que é
isso.
Rodolpho Gamberini: Ayrton, uma coisa! Na
apresentação do programa esqueci de te apresentar o Paulo Caruso, o cartunista
ali em cima. Ele está fazendo algumas charges suas, que a gente vai mostrar no
programa e depois você vai ver.
Ayrton Senna: Cuidado com a aerodinâmica aqui
[todos riem, pois Ayrton aponta para suas orelhas]. Vai devagar.
Rodolpho Gamberini: Ayrton, você estava
falando da sua preparação para ser campeão, também fora das pistas. O que é que
um piloto de Fórmula 1 precisa, como é que tem que ter a cabeça para ser
campeão? O que é necessário, o que é que precisa?
Ayrton Senna: Bom, antes de tudo, você precisa
ter muita calma, tranquilidade e assessoria. Precisa de gente que realmente
está na retaguarda, te dando as dicas, te ensinando e procurando minimizar as
mancadas, né? E ir com calma. Acho que a regra principal é saber se segurar, e
é um grande problema, porque um jovem tem um ímpeto, tem a vontade de fazer
tudo correndo. Eu sou muito assim por dentro, mas errando eu fui aprendendo e
estou aprendendo ainda, que de vez em quando, tem que dar uma freada. Engatar
uma reduzida, diminuir um pouco o ritmo, porque você acaba perdendo muito mais
do que ganhando com muito ímpeto.
Rodolpho Gamberini: Galvão Bueno, seu amigo
até, gostaria de fazer a próxima pergunta.
Galvão Bueno: Você! Como é que você vê hoje o
Ayrton Senna, ídolo de muitos garotos, de muitos jovens e de torcidas? Como é
que você vê, como é que você encara isso? Que é que você sente? Qual é a sua
responsabilidade para com o brasilerio que gosta de você?
Ayrton Senna: Bom, a minha responsabilidade é,
talvez, maior do que todas, principalmente, com a meninada, né? Com as
crianças, porque a gente, realmente, sente nas crianças uma admiração e um
carinho grande e isso motiva mais ainda você a procurar transmitir alguma coisa
de especial para eles. E então eu sinto, sobretudo, uma responsabilidade com a
infância, com as crianças que gostam de corrida, levantam cedo e pegam na calça
do pai e na saia da mãe e querem que levem a um autódromo, a uma pista. Enfim,
é para quem eu estou realmente aberto, para quem…quando eu encontro, me sinto
bem.
Galvão Bueno: É uma obrigação? Você sente isso
como uma obrigação? Chega a ser um prazer, chega a ser uma coisa natural? Como
é que você encara, de repente, 80 crianças, mais os pais e mães e todo mundo:
“Me dá autógrafo, me dá um beijo, me assina aqui, me leva ali, vem aqui”?
Ayrton Senna: Bom, para tudo tem hora, né? Em
muitos momentos você não tem o tempo para dedicar a essa criançada, mas caindo
na hora certa, é o maior prazer. No fundo é um prazer porque é uma coisa boa,
traz uma energia boa, positiva e eu já tive experiência disso, várias vezes, e
é realmente uma coisa agradável. Agora, lamentavelmente, a gente nem sempre
está disponível e com cabeça para transmitir de volta para toda essa criançada
essa energia positiva.
Galvão Bueno: Você deixa abusar? Aqui eu dei
uma colher de chá, então agora deixa eu te dar um aperto. O que você sentiu
quando chegou em segundo e o Nelson [Piquet] em primeiro no Grande Prêmio
Brasil?
Ayrton Senna: Ah, eu não senti nada, eu estava
ali querendo ganhar, não tenho dúvida disso, não deu para ganhar? Fazer o quê?
Eu vou tentar no outro ano. E vou tentar tantas vezes, tantas vezes quantas eu
correr, mas quando você corre, você depende de um carro e de uma equipe. Não é
como tenista, que tem a raquete e a bolinha de tênis. Então, não depende só de
você. Você tem que, realmente, trabalhar em equipe. Depende de um conjunto de
pessoas e de uma máquina, né? Mas voltando ao assunto das crianças, eu acho que
a maior motivação que qualquer esportista pode ter, é admiração e o afeto das pessoas,
em especial das crianças, porque elas são puras, elas só transmitem coisas
boas.
Rodolpho Gamberini: Ayrton, a gente estava
agora mesmo falando do relacionamento, ainda na pergunta do Galvão com Piquet e
essa questão do Grande Prêmio Brasil. Então, a pergunta do telespectador
Antônio Tartaras, ele mora na Moóca, um bairro aqui de São Paulo: “Qual é a
relação de amizade que você tem com Nigel Mansell”? [considerado um dos
monstros sagrados do automobilismo] Se é boa ou se é ruim? Como é que é? [risos]
Galvão Bueno: Peraí, coloca o Keke Rosberg
junto. Assim ele já responde os dois. [risos]
Rodolpho Gamberini: Então, vamos aceitar a
sugestão do Galvão. Então com o Nigel Mansell e com o Keke Rosberg?
Ayrton Senna: Olha, com o Mansell eu tenho
alguns episódios a citar e, infelizmente, em duas oportunidades a gente teve um
“encontro”, e ele foi quem saiu da pista [risos]. Por acaso, lógico, né? Ele
não ficou nada contente e isso dificultou um pouco o relacionamento da gente,
porque a gente está ali competindo, próximo e o objetivo de todos nós é vencer.
Como ele saiu da pista, bateu e ficou fora da corrida, botou a culpa em mim,
jogou a culpa em cima de mim. E eu não aceitei, é lógico. Você tem que lutar e
não ajuda no relacionamento. Com o Keke, inclusive, um episódio com o próprio
Mansell, ele [Keke] tentou uma ultrapassagem. Eu estava liderando uma corrida,
no ano passado, no Grande Prêmio de Brands Hatch , o Keke em segundo e o
Mansell em terceiro. Aí o Keke foi tentar me ultrapassar. Não conseguiu, rodou,
voltou pro box, furou o pneu. Tirou o Piquet da jogada também e voltou para
pista, exatamente uma volta atrás, bem na minha frente, mas uma volta atrás. Aí
ele pegou e me segurou, trancou e eu fui obrigado a não ultrapassar, porque
iria ter um acidente. O Mansel pegou e passou nessa. Aí ele deixou o Mansel
passar. Quando eu fui me enfiar, ele trancou de novo. Então eu vi que ali, se
eu entrasse, eu iria voar fora da pista. Eu ia ter alguma coisa a perder e ele
não, porque estava uma volta atrás. Mas o relacionamento dentro da Fórmula 1,
entre os pilotos, é difícil, porque a competição é tão grande e acirrada, que
realmente dificulta o relacionamento de todos nós, como pilotos.
Rodolpho Gamberini: Tanto dentro, como fora da
pista.
Ayrton Senna: O problema fora da pista é que
você nunca se encontra. Cada um vive num país, tem hábitos diferentes, costumes
diferentes, hobbys, né? E a gente se encontra, justamente, no final de semana,
na competição, onde o clima não é propício a uma amizade.
Rodolpho Gamberini: É! Esse encontro no clima
da competição, já deve ser uma coisa terrível, né?
Ayrton Senna: É… A pressão que a gente vive é
muito grande. Nos finais de semana de corrida, não é só no domingo da corrida.
Aquilo vem crescendo já na quarta-feira que antecede. Na quinta você já está no
autódromo. Sexta e sábado têm treinos de classificação. E aquilo vai crescendo,
né? É realmente difícil de você manter a calma, a tranquilidade, não cometer
erros, para não prejudicar os outros e também acabar não se machucando, né?
Rodolpho Gamberini: Ayrton, agora há pouco
você estava falando de crianças e nós temos uma pergunta gravada do Rubens
Barrichello, que é campeão de kart. Gostaria que você respondesse a pergunta.
As perguntas entram por aqueles monitores ali. Por favor!
Rubens Barrichello: Ô Ayrton! É um prazer
estar aqui com você, conversando e, primeiramente, eu quero te agradecer por
todo o apoio que você está me dando lá na Itália, com a DAP. E quero dar os
parabéns para você pelo seu grande ano na Fórmula 1. Quero dizer também que já
sou um grande fã seu. E a minha pergunta é a seguinte: Quais foram as suas
dificuldades depois do kart até a Fórmula 1, passando pela Fórmula 3 e tudo
mais? E depois de tudo isso, eu quero te desejar boa sorte e que um dia a gente
possa formar uma primeira fila aí numa Fórmula 1, até numa mesma equipe.
Ayrton Senna: Barrichello, eu comecei no kart,
como todo mundo sabe, por quem tenho um carinho enorme. É o esporte mais
emocionante que existe. Mais que a Fórmula 1, inclusive, pois você faz com mais
amor ainda. Eu diria que as dificuldades maiores que um piloto encontra no
início da carreira é justamente porque você tem que provar primeiro para
conseguir o apoio. E você precisa do apoio para chegar lá. Então eu tive a
felicidade de ter o apoio da minha família. Sempre, desde o início, estiveram
por de trás, me seguraram nas horas mais difíceis e me deram a oportunidade de
poder desenvolver essa atividade desde pequeno.Tive, então, a possibilidade de
correr em bons karts, com bons motores, em bons carros, em boas equipes e dali
pude me dedicar totalmente a essa profissão. Então, o difícil é você conseguir
o tal do patrocínio no início, porque depois que você cria uma imagem, um nome,
os patrocinadores vêm até você, e ali a necessidade já não é tão grande.
Justamente no início, quando você não tem ainda a imagem, um nome, é que você
precisa dos patrocinadores para chegar lá.
Galvão Bueno: Só para não perder o assunto.
Você estava falando de patrocinador. Depois do patrocinador você escolhe tanto,
que pode até escolher quem corre do seu lado, né? Quer dizer, o Nelson e o
Mansell, que o Marcelo estava falando, deu problema: piloto inglês, equipe
inglesa. Você não quis o [Derrick] Warrick do seu lado, na Lotus, piloto
inglês, ia dar trabalho. E agora vem um japonês, numa hora que você vai correr
com um motor japonês, não pode dar zebra, não?
Ayrton Senna: Eu acho positivo. Eu acho
positivo porque a Honda tinha um desejo enorme de pôr um japonês na Fórmula 1.
Conseguiram na Lotus. A gente conseguiu o motor da Honda e eles pediram para
ter um companheiro de equipe meu, o Nakajima, a equipe concordou. E eu espero
que com isso eles, inclusive, se sintam mais motivados em ajudar a equipe no
fornecimento dos motores, na atenção. Enfim, vai melhorar no relacionamento,
porque um japonês falando a língua vai melhorar.
Galvão Bueno: Você quer dizer o seguinte: vai
trabalhar mais para a Lotus, que tem um japonês, do que para Williams, que tem
um brasileiro e um inglês, é isso? [riso]
Ayrton Senna: Não. Eu acho que eles vão
fornecer os motores iguais para as duas equipes, porque o objetivo deles é
vencer. Esse ano eles erraram, eles se concentraram numa equipe e perderam o
campeonato. Então, por isso eles vão investir em duas equipes, para jogar em
dois times. Agora, eu tenho esperança que no relacionamento, que é muito
importante, com os técnicos e tudo mais, onde se aprende mais sobre o
equipamento é que vai ajudar, porque tendo o Nakajima lá, falando a língua
deles e quem treina, inclusive, com motores Honda, já há três anos, com o carro
no Japão. Mensalmente ele anda, dois, três dias. Ele desenvolveu o motor Honda.
Então, ele conhece muito bem e isso vai ser muito positivo para a Lotus e mesmo
porque a Honda está participando no projeto com a Lotus, na construção do
carro, e os japoneses gostam demais disso. Eles gostam de participar,
realmente, na parte técnica e na Lotus eles estão tendo essa oportunidade.
Claudio Carsughi: Então você não acredita que
tenha um relacionamento tipo “Cosworth-Stewart-Tyrrell”? Quer dizer, que ele
tinha sempre o melhor motor, uma corrida antes dos outros?
Ayrton Senna: É. Mas ali naquela época
existia, praticamente, um monópolio da Cosworth. Quase todas as equipes usavam
o motor Cross World. Então a Cross World podia jogar um pouco com essa posição.
Hoje em dia, existem várias fábricas envolvidas ali e a competição é altíssima,
Então eu acho que nenhuma fábrica pode jogar em risco, se concentrar em apenas
uma equipe. Eles têm que jogar com todas as cartas, com todos os times. Principalmente
porque esse ano eles tinham efetivamente o melhor motor da Fórmula 1, nem por
isso eles venceram. Eles venceram o Campeonato Mundial de Construtores e o de
piloto ficou com o [Alain] Prost.
Rodolpho Gamberini: Ayrton, a próxima pergunta
é do senhor Élcio de São Thiago, diretor do Automóvel Clube do Estado de São
Paulo.
Élcio de São Thiago: Ayrton, quando você
começou no kart, menino ainda, novinho, você se metia em bastante brigas,
inerentes da competição e era bastante nervoso. Gostaria que você me dissesse
se você mudou ou se você hoje disfarça mais?
Ayrton Senna: Eu acho o seguinte: sempre fui
muito competitivo, Élcio. E, para quem me conhece, acompanhou minha carreira,
sabe bem disso. E, por ter tido a oportunidade, eu sempre estava com o equipamento
competitivo, estava sempre lutando pelas primeiras posições. Então é normal que
muitas vezes cria-se uma certa resistência, não é? Nunca dava o braço a torcer.
Eu ia à luta. Eu ia à briga mesmo. Estava ali para dar tudo de mim. Era meu
hobby, mas eu fazia praticamente como profissional, pelo tempo, pela maneira e
pelo amor que eu dedicava àquilo. Então, é como eu falei, eu tenho como
natureza muito ímpeto, mas através daqueles anos do kart, onde eu dei tanta
pancada e me enfiei em tanta encrenca, perdi tanto campeonato por ser muito
impetuoso, eu fui aprendendo. Eu acho que hoje, então, usando aquele
conhecimento, aquela experiência que eu adquiri na época, eu hoje tento errar
menos, ou cometer os mesmos erros. Em muitos momento dá vontade, eu estou atrás
de alguém, dá vontade de passar naquela fenda mesmo. E dá! Mas é arriscado,
então você é obrigado a segurar um pouco e isso é o que é o mais difícil. É ter
o auto-controle, o domínio para esperar uma hora mais calma, mais segura ainda,
mais tranquila ou não querer já largar e já sair botando uma volta em todo
mundo, quando você tem o equipamento, tem condições de… Difícil é segurar as
pontas, né?
Rodolpho Gamberini: Qual foi a prova mais
forte, mais assustadora que você já teve, da sua falibilidade na direção de um
Fórmula 1? Por que é uma coisa que deve surgir muito, né? Está dentro disso que
você está falando.
Ayrton Senna: Na Fórmula 1…?
Rodolpho Gamberini: É! Quando você percebeu
que tinha cometido alguma besteira, de ter se excedido?
Ayrton Senna: Olha, não foi nem no Fórmula 1.
Foi no kart.
Rodolpho Gamberini: Como é que foi?
Ayrton Senna: Foi no kart. Foi na Itália,
durante um treino extra-oficial. No finalzinho do treino extra-oficial, na
penúltima volta que eu estava fazendo, o kart levantou em duas rodas numa curva
lá que era em altíssima velocidade, e eu nem dei bola para a brincadeira. O
kart sempre tinha uma tendência de levantar, falei: “Ah, tudo bem”! Na volta
seguinte, vim de novo no mesmo ritmo e o kart levantou e saiu de faca e eu bati
numa cerca e o kart me prensou contra a cerca. E, graças a Deus, não aconteceu
nada de grave, mas eu me quebrei por dentro todinho. Aquilo foi uma prova para
mim mesmo de que eu estava ali envolvido com o ímpeto de ir mais rápido e não
estava pensando, não estava raciocinando. E aquilo me trouxe um acidente. Na
Fórmula 1 já passei perto de muitos acidentes, mas é uma época diferente e onde
a cabeça também muda um pouco, então eu não posso comparar. Então, realmente,
de ímpeto, foi no kart, foi nesse dia, não na Fórmula 1.
Fernando Calmon: Você está há três anos na
Fórmula 1. Em 83 você estava na Toleman. Desculpe, em 84! E depois você esteve
na Lotus, onde você teve que conquistar o lugar de primeiro piloto até chegar a
essa posição e finalmente, você não teve um carro competitivo. Esse ano todas
as coisas estão convergindo para as pessoas te considerarem favorito. O fato do
motor Honda, o fato de ter um japonês na equipe, isso está me lembrando um
pouco a história do Alain Prost em 82, que todo mundo dizia: “Já é o campeão”.
Esse peso de favoritismo, não acha que vai te atrapalhar esse ano? A obrigação
de ser campeão do mundo, no primeiro ano em que você vai ter tudo a seu favor?
Ayrton Senna: Bom, obrigação ninguém tem de
ser campeão do mundo. Quem tem mais é o Prost, de vencer de novo, porque ele é
o bicampeão. Ou o Piquet que é bicampeão do mundo, de vencer novamente, depois
de tantos anos. A obrigação que eu tenho é de dar o máximo de mim. Realmente,
procurar desenvolver o carro da melhor forma possível, me dedicar o máximo à
equipe e ir realmente à luta, procurar ser campeão, mas obrigação ninguém tem.
Fernando Calmon: Sei, mas isso aí não vai
pesar na sua atuação? Porque todo mundo vai te cobrar esse campeonato, esse
ano. Você pode ter certeza, vai ter 135 milhões de brasileiros te cobrando.
Ayrton Senna: Mas já está me cobrando esse ano
aqui, pô! Esse ano aqui com o negócio que eu era o único piloto realmente de
peso na equipe e tudo mais, a equipe ia concentrar em mim e tudo mais…
Fernando Calmon: Mas a sua chance era pequena
frente a uma Williams Honda, né?
Ayrton Senna: Pequena ou não, eu fiquei no
último campeonato até mais da metade. Inclusive estava na liderança do
campeonato…
Fernando Calmon: Mas, exclusivamente, por
mérito seu…
Ayrton Senna: Não… Não existe mérito de uma
pessoa na Fórmula 1. Mérito existe de uma equipe. São os mecânicos, os
projetistas, os patrocinadores, que financiam o equipamento. Os fornecedores de
motores, de pneus, enfim, é um conjunto de pessoas.
Fernando Calmon: Tinham outros correndo por
Renault, mas só você apareceu, né?
Ayrton Senna: Eu tive, provavelmente, melhores
condições do que os outros, de produzir mais do que os outros.
Fernando Calmon: Você não acha que vai ser
mais cobrado esse ano?
Ayrton Senna: É lógico. Existe uma expectativa
maior. De que agora a gente, a Lotus, vai ter um motor Honda, que consome menos
combustível. Já me viu tantas vezes parar lá e “pá pá, pá” e acabar a gasolina
e tudo mais. Agora, um Honda não acaba a gasolina. Não tem isso. Então agora
vai dar… É lógico, e eu acredito que eu tenho muito mais condições. Mas, entre
realmente ter as condições e efetivamente completar, existe uma distância
grande, tem muito chão pela frente.
Galvão Bueno: Ayrton, ele estava falando de
cobrança, você deve ter mais cobrança…do Brasil [palavra incompreensível]
Ayrton Senna: Não existe ninguém que cobra
mais do campeonato do que eu mesmo.
Galvão Bueno: Exatamente, é a isso que eu ia
chegar. Eu quero saber a sua cobrança. O que você está cobrando de você, Ayrton
Senna, nesse momento? Além de, por exemplo, o seguinte: o que o Ayrton Senna já
fez e o que ele tem que fazer? E eu quero lembrar uma conversa curtinha que nós
tivemos um dia. Eu fui lhe dar os parabéns por mais uma pole position. Você
olhou de cara feia pra mim e disse assim: “Eu trocava essas poles todas por
mais uma vitória”. São quatro vitórias só, até agora, numa carreira feita só de
vitórias. Naquele dia você estava irritado…mas foi logo depois do Grande Prêmio
de Portugal… Chegou perto e não ganhou… Estava trocando as poles todas do ano
por mais uma vitória. Então, qual é o seu nível de cobrança para com você
mesmo? O que você fez, que você tem que fazer, como é que você está cobrando
essa ausência de vitórias?
Reginaldo Leme: Só completando a pergunta do
Galvão. É a mesma linha e te conhecendo como eu te conheço, agora mesmo você
falou de ímpeto e de exigência, de cobrança sobre você mesmo… Eu tenho certeza,
quatro vitórias para você, completando o terceiro ano de Fórmula 1, quatro
vitórias ao completar o terceiro ano, você esperava ter conseguido mais do que
isso?
Galvão Bueno: É isso que eu estava dizendo.. O
que ele está se cobrando?
Ayrton Senna: Quando eu entrei na Lotus, eu
esperava conseguir minha pole position, né, e a minha vitória. E na segunda
prova do campeonato, eu fui em Portugal, eu consegui a pole e a vitória,
juntos. Então aquilo veio assim rápido, né? E numa hora boa. Era necessário
para que eu me estabelecesse na equipe. Desde então, aí eu passei por um
período ruim, não terminava uma corrida, depois venci em Spa, na Bélgica.
Depois, esse ano aqui, venci duas provas no sufoco, que não foi fácil. Foi na
Espanha que eu ganhei por alguns centímetros e depois em Detroit, que o Piquet
deu no meio do muro lá e melhorou as coisas, né? Se não teria sido uma corrida
daquelas!
Galvão Bueno: E, por coincidência, como no ano
anterior, ganhou logo na segunda corrida também, que foi na Espanha, né?
Ayrton Senna: Exatamente. E a dedicação que eu
tenho para o automobilismo é tão grande, mas é com tanto prazer, é com tanta
vontade, com tanto amor e isso vem desde pequeno, desde o tempo do kart que,
realmente, eu acredito que a gente têm condições de lutar de igual para igual.
E acreditando nisso é que eu procuro tirar o máximo de mim. Isso começa já na
hora que você está se preparando psicologicamente, no início do ano, nessa
época em que você tem que treinar bastante para se preparar fisicamente, para,
na temporada, estar bem. Então, quando eu vou fazer 7 ou 8 km por dia, o que
não é fácil, chega no meio dos 3 ou 4 km você já está pedindo água. Agora, a
motivação é de saber que eu vou ter uma equipe, com 200, 300 pessoas
trabalhando. Eles estão lá acreditando em mim, que eu vou estar lá na hora do
“vamos ver” e que eu vou corresponder a expectativa deles. Então eu corro 7 km
ou 8 km e vou em frente e essa vontade de vencer é o que me mantém. É a minha
motivação maior. É a vontade de vencer é o que me mantém participando numa
corrida, num campeonato de Fórmula 1. Não existe nada mais, assim… que me dê
mais motivação do que isso. Então eu acho que o amor que eu tenho pela minha
atividade é o que me matem e é a maior força que eu tenho.
Rodolpho Gamberini: E quando acontece um caso
de uma acidente fatal? De um piloto morrer na pista. O que acontece na cabeça
dos outros pilotos? Tem a ver com o medo, com a coragem…
Ayrton Senna: Sim é claro! Não ajuda né, mas
eu acho que aí é que está o domínio, o controle que você tem que ter. Saber
analisar friamente o porquê daquele acidente e procurar eliminar a causa e sair
fora do problema. Então aconteceu com um companheiro de equipe meu, no ano
passado, ex-companheiro de equipe meu que foi o Hélio, que teve um acidente num
treino, que teve a infelicidade de ser numa pista onde a segurança não era
ideal. E não sobreviveu. E assim, como um ano antes, quando eu estava na
Toleman, durante um treino para o Grande Prêmio da Inglaterra, um companheiro
meu, logo no início do treino, saiu e deu uma batida de frente no guard rail,
quebrou as pernas, quebrou o carro no meio e eu passei do lado dele. Ele parado
no meio da pista, com as pernas encostadas no chão, o carro tinha quebrado todo
na frente e eu vi aquilo e voltei pro box, procurando saber o que eu estava
fazendo ali. Então foi paralisado o treino durante muito tempo, até eles abrirem
novamente e o meu chefe de equipe chegou e colocou pra mim, falou: “Olha se
você não quiser andar mais, nesse final de semana que tiver o Prêmio da
Inglaterra, uma equipe inglesa imagina, você não precisa andar”. Então ele
colocou nas minhas mãos, para eu decidir se eu queria ou não andar. E eu
deveria andar, obrigatoriamente, porque eu tenho um contrato com a equipe.
Então aquilo tudo confunde se você não estiver realmente muito certo daquilo
que você está fazendo e porque você está ali, tudo aquilo confunde. E o medo é
uma das piores coisas que pode acontecer com um piloto, porque você nunca pode
perder a confiança. Tem que manter sempre uma confiança de estar fazendo a
coisa certa e dentro dos limites.
Rodolpho Gamberini: Eu queria pedir a sua
licença e a de todos que estão participando do Roda Viva para a gente fazer um
intervalo e a gente volta daqui a pouquinho. Até já!
[Intervalo]
Rodolpho Gamberini: Nós voltamos, então, com o
Roda Viva, esta noite, tendo como entrevistado o piloto de Fórmula 1, Ayrton
Senna. Como é que você relaxa, como é que você se prepara, como é que é a tua
noite de sono no dia que antecede uma prova decisiva para você?
Ayrton Senna: É muito relativo. Depende como é
que está o carro. Se o carro estiver bom, se tiver numa posição boa… Então
aquilo é uma pressão um pouco maior porque você sabe que tem condições, que
depende de você. Mas ao mesmo tempo é uma motivação, e então é um prazer, de
saber que você tem condição de, no dia seguinte, de lutar. Quando o carro está
ruim, aí é uma droga. Você não dorme, fica pensado no que você vai fazer, o que
você vai inventar para conseguir tirar aquela diferença. Então, aí não tem sono
que resista.
Rodolpho Gamberini: E você já passou uma noite
acordado antecedendo corrida?
Ayrton Senna: Já passei sim, mas geralmente eu
gosto de dormir, posso dormir até 10 horas por dia, mas geralmente, noite
anterior à prova, eu durmo 6 ou 7 horas só, dada a tensão.
Rodolpho Gamberini: E como é que você relaxa?
O que você faz? Você joga tênis, nada, joga futebol, que você faz? Você tem um
método de relaxamento?
Ayrton Senna: O que ajuda no medo, na
segurança, para você ficar mais natural, no meu caso, é rezar. No que eu entro
no carro de corrida, toda vez, eu rezo. E é uma forma que eu encontro de ficar
normal, natural, tirar aquela tensão, aquele nervosismo, aquele ímpeto e aquilo
faz com que eu fique bem tranquilo, e na hora que o carro sai se torna natural.
Galvão Bueno: Qual é o tipo de ajuda que você
pede? [Gamberini fala ao mesmo tempo] Para não se machucar ou para ganhar?
Ayrton Senna: Os dois [mostra 2 dedos].
Rodolpho Gamberini: Para ganhar sem se
machucar?
Ayrton Senna: Exato.
Claudio Carsughi: Você diz que sempre procura
ter muito cuidado para não entrar em fria. Recentemente, e não muito tempo
atrás, eu vi uma declaração do teu projetista, Gerard Ducarouge, em que ele
dizia, em alto e bom som, que apostava em você como campeão mundial para o ano
que vem.
Ayrton Senna: Bom, o Gerard é otimista pra
burro, né? [risos]
Claudio Carsughi: Você acha que isso te põe
numa fria, ou é apenas um ato de confiança dele em você?
Ayrton Senna: Ah, o Gerard é um francês, à
italiana, à inglesa, enfim, ele é uma pessoa extraordinária, tem um otimismo
incrível, gosta demais do que ele faz, é motivado pela atividade dele que é o
automobilismo, e a gente tem realmente um relacionamento extraordinário. E eu
acho que a confiança ali é recíproca, tanto eu confio demais nele como ele em
mim, e é importante isso né.
Claudio Carsughi: Quer dizer que você confia
que ele vai fazer um excelente carro?
Ayrton Senna: Não tenho dúvida, eu acho que o
ano que vem vai ser bom.
Rodolpho Gamberini: A próxima pergunta que eu
gostaria que você respondesse é do Chico Landi, corredor, que é o diretor do
autódromo e agora entra por ali também pelos monitores. Por favor.
Chico Landi: Ô Senna! Eu gostaria de saber o
que você acharia da Fórmula 1 voltar para Interlagos, que sempre te homenageou
aqui em São Paulo e que perdeu lugar por causa do Rio.
Ayrton Senna: É isso aí, Chico! Eu não tenho
dúvida, eu acho que a melhor opção para o Brasil seria ter um ano Rio, um ano
São Paulo. O Rio é um ótimo autódromo. O Rio de Janeiro, para Fórmula 1, também
é um local bom, adequado, para o turismo, para imagem mundial, nas transmissões
que são feitas mundialmente, que são do Rio, entendeu? Mas São Paulo é quem
começou com o automobilismo e com a Fórmula 1. E tem um autódromo superior ao
Rio. Tecnicamente, tem uma pista enorme, é uma pista que tem alta, média, baixa
velocidade e para o público, inclusive, de vários pontos da pista pode ver
quase toda a pista. Então eu acho que o ideal seria ter aqui em São Paulo e no
Rio e alternar o Grande Prêmio.
Rodolpho Gamberini: Agora sim, Alain, por
favor, você estava querendo entrar na Fórmula Indy…
Alain Vignais: Você acha que a Fórmula Indy,
realmente, é um refugo de pilotos que não dá mais para Fórmula 1?
Ayrton Senna: A Fórmula Indy é uma categoria
que está presa aos Estados Unidos. Então você tem praticamente só americanos
correndo lá, com poucas exceções. Tem um mexicano, tem um colombiano, tem dois
brasileiros, mas ela é muito americana, né, USA… Corre em pistas de ovais,
agora é que eles tão diversificando um pouco, colocando em autódromos também,
pistas de rua, correndo na chuva. Até pouco tempo não corriam na chuva. Então
eles estão indo no caminho, digamos, da Fórmula 1, porque a Fórmula 1 compete
um pouco com eles em termos mundiais. Nos Estados Unidos eles são absolutos. A
Fórmula 1 praticamente não existe lá. Tem o Grande Prêmio de Detroit, que não
tem repercussão nenhuma em termos de Fórmula Indy. Você não pode dizer que ela
é uma categoria de refugo de pilotos. Você tem o Mário Andretti lá, entre
outros, né? Emerson Fittipaldi. Você tem muitos pilotos lá, que foram
competentes. Têm pilotos também que não foram muito bons, como na Fórmula 1.
Pilotos de categoria e pilotos que nunca atingiram nenhuma expressão. Em
qualquer categoria do mundo inteiro você vai encontrar…
[Vários entrevistadores falam ao mesmo tempo]
Ayrton Senna: Não, porque o risco é muito
alto. O risco na Fórmula 1 é altíssimo. Então, já tem dor de cabeça suficiente
na Fórmula 1. Não dá nem para fazer mais nada.
Rodolpho Gamberini: É mais alto o risco na
Fórmula Indy?
Ayrton Senna: É, porque naqueles ovais que
eles correm com muita frequência, eles correm com o paredão em volta, e a uma
velocidade altíssima e ao menor descontrole, já é uma pancada daquelas…
Galvão Bueno: Pra gente conferir depois,
Gamberini, se ele nunca vai mudar de opinião, porque o Emerson [“o Emerson
falava exatamente a mesma coisa”, Gamberini fala ao mesmo tempo que Galvão]
dizia o seguinte: “Isso não é corrida de automóvel, isso é um suicídio. Ninguém
vai me fazer sentar num carro desses para andar nesse negócio aí…”.
Rodolpho Gamberini: Ayrton, você não acha que
um dia pode descobrir que a Fórmula Indy é muito mais “segura” (esfrega os
dedos, indicando dinheiro] do que você imagina hoje?
Ayrton Senna: Aí eu vou entrar em fria se eu
responder essa pergunta…
Jorge Seadi: A Fórmula Indy não pode, aos
poucos, tirar o espaço da Fórmula 1?
Ayrton Senna: Como é?
Jorge Seadi: Ela não pode aos poucos, ir
crescendo e tirando espaço da Fórmula 1. Você acha que a Fórmula 1 é absoluta?
Ayrton Senna: Não. Eu acho que a Fórmula 1,
mundialmente, está muito acima da Fórmula Indy porque ela reúne pilotos do
mundo inteiro, ao passo que a Fórmula Indy está concentrada com americanos e
não tem a repercussão que tem a Fórmula 1.
Jorge Seadi: Mas expandindo como está, ela não
pode chegar a isso?
Ayrton Senna: Ela vai aumentar, não tenho
dúvida. Mas acho que ela nunca vai chegar em termos de repercussão mundial ao
nível da Fórmula 1.
Rodolpho Gamberini: O Galvão lembrou bem essa
coisa do Emerson que ele falava que aquilo…jamais correria. De de jeito nenhum!
[Gamberini responde ao comentário incompreensível de Galvão]. Depois fez um
contrato não sei de quantos milhões de dólares foi, quantos milhões de dólares
ele está ganhando hoje e está correndo. Você admite a possibilidade de um dia
vir a correr na Fórmula Indy? Você só viria a correr na Fórmula Indy por dinheiro?
Marcelo Resende: Deixa eu só acabar uma
perguntinha que eu acho que tem o mesmo assunto, uma pergunta simples, que todo
mundo tá fazendo pergunta simples. No tênis se divulga: “Fulano ganhou tanto na
temporada…” Um piloto de Fórmula 1 [Ayrton comenta: “Sabia que essa pergunta
terrível…”], um piloto de primeira linha, não é o seu caso, porque eu não estou
querendo seu imposto de renda, até porque eu não tenho cara de leão [risos].
Agora, um piloto de Fórmula 1, em média, piloto de grande equipe, quanto ele
ganha por mês, mais ou menos?
Ayrton Senna: Bom, vamos por partes, né. Eu
acho que a Fórmula Indy, para quem tem possibilidade de correr na Fórmula 1, é
uma categoria mais perigosa. E existe risco suficiente na Fórmula 1 pra
escolher uma Fórmula Indy. Então, por essa razão, eu nunca escolheria a Fórmula
Indy para correr…
Rodolpho Gamberini: Isso confere menos
prestígio ao mesmo tempo?
Ayrton Senna: Mundialmente, eu não tenho
dúvida. A Fórmula 1 tem muito mais prestígio. Atinge um número de pessoas dezenas
de vezes maior. Depois o final da pergunta…
Rodolpho Gamberini: Se você admite a
possibilidade de um dia vir a correr na Fórmula Indy? E se vier a correr, seria
só por dinheiro?
Ayrton Senna: Ó eu não sei, isso eu posso
responder hoje com convicção que não seria por dinheiro porque, graças a Deus,
eu tive tudo que eu quis até hoje, minha família teve condições de me dar tudo
o que eu quis. E faço automobilismo porque gosto, não por aquilo que eu posso
tirar do automobilismo. Gastei muito até chegar a Fórmula 1, tudo que eu
conseguia em patrocínio investia na minha própria carreira, para ter um carro
melhor, tá. E só hoje, realmente, é que eu estou vivendo da Fórmula 1. Mas não
corro pelo dinheiro, eu corro por aquilo que eu gosto, porque não preciso, essa
é a principal razão. Então eu não vejo como eu voltaria a correr se eu tivesse
parado ou tivesse na Fórmula 1 e tivesse a oportunidade de passar para Fórmula
Indy pelo dinheiro, porque não é a minha motivação. A minha motivação é a
vontade de vencer e é onde eu estou hoje que é a Fórmula 1…
Rodolpho Gamberini: Você disse que não precisa
do dinheiro, mas quanto é que você ganha, em média, por ano? E o que você faz
com o seu dinheiro, já que você não precisa dele?
Ayrton Senna: Bom, eu não ganho muito não, mas
já deu para colocar a gasolina no meu aviãozinho, sabe… ele usa meio litro de
combustível. Dá uns 10 minutos de autonomia, aqueles de rádio controle assim. É
o Sytation…
[Vários entrevistadores falam ao mesmo tempo,
parecendo indignados por Ayrton não responder à pergunta]
Galvão Bueno: Essa história do tênis… Pelo
menos vamos tentar uma coisa: ele estava falando de jogador de tênis que ganha
uma fortuna e piloto de Fórmula 1. [Marcelo faz algum comentário] Espera um
pouquinho [falando com Marcelo]. O meu mestre, Janos Leiger, viu Marcelo? E o
seu também, grande Janos, ele dizia o seguinte, o Janos Leiger dizia o
seguinte: “É um absurdo o tenista ganhar esse dinheiro todo comparado com um
corredor de Fórmula 1, porque o maior risco do tenista é engolir a
bolinha”.[risos]
Ayrton Senna: Não tem dúvida!
Galvão Bueno: O maior risco do tenista é
engolir a bolinha… Então, você acha, pelo menos por aí, responde pelo menos
essa: “O piloto de Fórmula 1 ganha o que devia ganhar”? Devia ganhar mais?
Ayrton Senna: De jeito nenhum, só por um
fator.
Marcelo Resende: Devia ganhar mais!?
[interrompendo a resposta de Ayrton]
Ayrton Senna: Não, espera aí. Deixa eu falar…
O piloto de Fórmula 1 está arriscando a vida, queira ou não. Lógico que você
não senta no carro achando que você vai dar uma pancada, que vai se quebrar…
Mas você está arriscando a sua vida. Um tenista de jeito nenhum…
Galvão Bueno: E se ele engolir a bolinha?
Ayrton Senna: A tensão que você sofre pelo
carro de Fórmula 1 é um absurdo. Você acaba uma corrida mentalmente e
fisicamente acabado. E o que você ganha está extremamente ligado ao sucesso que
você tem na Fórmula 1. Porque metade dos pilotos que estão ali, estão pagando
para correr. Para quem não sabe ou para quem sabe muito pouco, metade dos profissionais
da Fórmula 1 estão pagando para correr. Porque não conseguem se estabelecer e
as equipes pedem para dar o carro.
Galvão Bueno: E paga para sentar em cadeira
elétrica…
Ayrton Senna: É. E pra guiar carro ruim, né,
exatamente. Pra se arriscar… Paga para se arriscar…
Rodolpho Gamberini: Queria pedir para você ver
agora umas imagens que nós vamos mostrar e que você nos dissesse o que elas te
lembram, o que você sente quando você vê essas imagens… São imagens de uma
corrida que nós vamos ver… Por favor.
Ayrton Senna: É! Foi realmente um dia especial
porque… [emocionado, com os olhos lacrimejando]
Rodolpho Gamberini: Você sabe o nome dessa
música que estava tocando, Ayrton? “Boys don’t cry”.
Ayrton Senna: “Boys don’t cry”… [risos]
Rodolpho Gamberini: Em inglês: Rapazes não
choram. E você está com os olhos aí com lágrimas. O que você lembra dessas
imagens?
Ayrton Senna: Eu lembro de um dia especial.
Foi em Detroit onde no dia anterior eu acabei fazendo a pole position. Eram dez
paras duas da tarde, e quando eu entrei no box devagarzinho, tinha acabado de
obter a pole position, um mecânico meu segurando um quadro e dizendo: Brasil 1,
França 0. Que o Brasil tinha acabado de fazer um gol contra a França. Eu sai do
carro, fui direto para o meu apartamento no hotel para assistir o jogo. E tinha
uma conferência de imprensa que eu tinha que ir. Me meteram o pau! Disseram que
eu não dava bola para imprensa. Eu estava a fim de assistir o jogo do Brasil.
Fui lá assisti o jogo do Brasil e o meu projetista é francês, os mecânicos da
Renault eram todos franceses [risos]. Conclusão: depois do jogo eu nem fui à
garagem onde o pessoal trabalha durante a tarde toda preparando o carro pro dia
seguinte, porque eu sabia que eles iriam me alugar, né? E nem apareci na
garagem, só apareci no domingo cedo na pista, porque o Brasil tomou pau, né? E,
por uma grande felicidade, a gente venceu a corrida. E o interessante é que
tinha muito brasileiro lá, sabe? Eu notei que tinha muito brasileiro. E quando
eu passei na linha de chegada, que eu diminuí, eu estava esgotado, foi uma
corrida dura fisicamente, eu vi um brasileiro do lado de lá da cerca, pra trás
do bandeirinha, com uma bandeirinha do Brasil. E então foi instinto, eu parei e
fazia sinal para o cara que estava do outro lado da cerca e ele não podia vir,
o bandeirinha do meu lado e não entendia nada. E eu falava: [faz uma entonação
com a voz para indicar que ele estava pedindo a bandeira de longe] “bandeira”,
né, mas ninguém entendia nada. Até que o bandeirinha olhou para mim, olhou pro
cara e entendeu. Aí o bandeirinha foi lá, tomou a bandeira do torcedor que
estava pendurado lá na cerca. Entendeu, isso é que é maravilhoso, né? O cara
torcendo, né, e trouxe a bandeira para mim e eu dei a volta com a bandeira.
Então foi um dia especial, né?
Reginaldo Leme: O torcedor te procurou depois
da corrida?
Ayrton Senna: Se procurou, não conseguiu
encontrar porque é uma loucura, né?. Depois da corrida. Mas foi um momento que
vai ficar sempre guardado aqui, né?
Galvão Bueno: Eu queria tentar pegar por esse
aspecto dele…
Ayrton Senna: E por infelicidade, a Globo não
transmitiu a corrida, né? Foi transmitido o compacto lá, justo na corrida que a
gente ganha, né? Estava transmitindo Argentina e não sei quem lá…
Reginaldo Leme: E eu comentei esse a distância,
mas sentindo o que você estava sentindo, mais ou menos eu descrevi esse
momento. Eu imaginei que você tivesse visto essa bandeira até mesmo durante a
corrida…
Rodolpho Gamberini: Dá para ver o que está na
platéia?
Reginaldo Leme: Numa pista dessa dá.
Ayrton Senna: Numa pista dessa é difícil,
porque tem um paredão de cada lado, guard rail… [risos, Reginaldo Leme faz
algum comentário, ao que outro entrevistador responde: “Reginaldo estraga
tudo…”] No ano passado, por tentar olhar para um outro lugar, esqueci que o
freio estava meio baixo e dei com o nariz no guard-rail lá… Só depois da
corrida que eu vi o guard-rail…
Rodolpho Gamberini: Vocês ficam dentro daquele
carro, a temperatura alta dentro do carro, deve ser um barulho que deve dar
sonolência. Você tem um preparo físico. Mas tem horas que a sua cabeça deve
sair um pouquinho da Fórmula 1, deve sair um pouquinho do carro. Para onde vai
a sua cabeça nessa horas?
Ayrton Senna: Ó, eu vou te citar um exemplo
que foi no ano passado na Bélgica, onde eu venci também e, até a metade da
prova, foi difícil. Aí eu consegui pegar uma distância, então com aquilo deu
uma relaxada. E começou a ficar um pouco monótono até porque eu não tinha
pressão de ninguém por trás e eu estava, então, até demais, relaxado. Então eu
vinha numa fase onde eu não terminava uma corrida. Sempre quebrava uma
coisinha, eu vinha sempre liderando e quebrava alguma coisa.
Rodolpho Gamberini: Você estava relaxado
porque sabia que…
Ayrton Senna: Não, eu já comecei a pensar:
“Agora o que vai quebrar?”. Eu já vinha esperando. Como aquela coisa: “Que vai
quebar, né? Não vai terminar, é normal quebrar, né?”. E foi …, e foi… Aí eu
comecei a pensar assim… Eu tava programado de vir ao Brasil, inclusive no dia
seguinte, eu ia sair da pista direto, ia para o aeroporto para pegar uma
conexão. E aí eu comecei a pensar: “Pô, se eu ganhar essa corrida ia ser bom,
né? A galera lá no Brasil ia gostar, né? Ia ser a maior força”. Comecei a
pensar isso, guiando o carro. Estava monótono e achei que iria quebrar. Eu não
estava acreditando que ia acabar a corrida, né? Ia pensando: “Se chegar vai ser
bom demais, vou chegar no Brasil no dia seguinte, vai ser bom chegar em casa,
né? Ganhando uma corrida no dia anterior…” Então são coisas que passam pela
cabeça, mas geralmente a pressão é tão grande, e o desgate físico e mental, que
não dá para você pensar nessas coisas, não. É o carro de corrida…
Galvão Bueno: Eu queria pôr esse aspecto,
agora há pouco ali, vendo ali aquela cena, chorando e essa história que ele
estava contando…
Ayrton Senna: Que chorando o quê rapaz, homem
não chora.
Galvão Bueno: Tava chorando, sim! Não tenha
vergonha de chorar, não! É bonito! Logo depois dessa corrida da Bélgica, que
ele está dizendo toda essa história, que vinha contando e o embarque foi
naquele dia de noite, e nós viemos conversando no avião. Voltamos junto para o
Brasil e vínhamos conversando no avião. E não precisava perguntar nada não, ele
falava pelos cotovelos. E aí começou a falar do pai, no Miltão, que antes dele
nascer viu um kart e disse: “Quando meu filho nascer, eu vou fazer um kart
igual a esse para ele, para ele correr”. E ele falava e chorava.
Ayrton Senna: Que falava e chorava! Isso aí é
mentira. Isso não é verdade não [risos]. Isso é papo furado. Cascata de
carioca, viu?
Galvão Bueno: Olha para cá! Você é um chorão.
[risos] Você é um bobão nesse aspecto, ou você é uma pessoa realmente ligada
demais? O que é a família para você, o que ela representa no seu trabalho, no
seu sentimento, no seu dia-a-dia, principalmente, pelo fato de ela estar aqui e
você morar sozinho lá na Inglaterra? Como é que são as suas noites lá na
Inglaterra, pensando aqui no Brasil?
Ayrton Senna: Tudo que eu alcancei até hoje eu
devo a minha família…
Galvão Bueno: Não vale chorar agora, heim!
Ayrton Senna: E aos meus pais. Foi meu pai que
me colocou no kart, que me levou todos os domingos à tarde para brincar num
lugar fechado, num kart de 1 HP, que andava 10 por hora, eu gostei da
brincadeira e fui em frente. E ele sempre me apoiou e me ensinou tudo aquilo
que eu aprendi eventualmente. E apliquei tudo isso, toda essa energia no
automobilismo. Então se eu estou hoje na Fórmula 1, com 26 anos de idade,
jovem, com muito tempo ainda pela frente e com a experiência toda que eu
adquiri – porque eu comecei tão jovem, tão pequeno – eu devo aos meus pais. E
era minha mãe que ficava no pé dele e mandava ele tirar o kart de mim, quando
eu ia mal na escola, quando não tinha nota no semestre, tomava o kart de mim e
eu ficava sem kart…
Rodolpho Gamberini: Sua mãe tinha excesso de
zelo, dizia: esse brinquedo é perigoso para ele, isso ainda vai acabar, essa
coisa ou não?
Ayrton Senna: Não, não. Eles sempre curtiram
aquilo que eu fiz e só na hora que eu resolvi passar para profissional e ir
para Inglaterra, e ir embora do Brasil, e essa história toda aí que o Galvão
está falando, aí eles balançaram.
Rodolpho Gamberini: Ayrton, eu tenho uma
pergunta de um telespectador, Ademir de Anastácio, de Santo André. Ele quer
saber o que você faz, como é que você faz para dirigir tão bem na chuva?
Ayrton Senna: Eu tomei muita chuva, viu?
[risos] No tempo do kart eu tomei muita chuva… Olha, foram várias as vezes que,
durante a semana, eu ia para Interlagos, saía da escola, meu motorista ia me
buscar lá ao meio-dia, com os karts atrás, na carreta, e me levava para pista
em Interlagos. Terça, quarta ou quinta, passava a tarde inteira lá treinando. E
se chovia, eu não parava e ficava no box, não, eu continuava treinando. Mexia
no kart, aprendi a ajustar e andar no molhado. E uma coisa muito importante, eu
tenho certeza que a maioria das pessoas não percebe, é que eu tenho ainda os 26
anos de um jovem que tem o ímpeto, aquela força, aquela vontade enorme, aquela
garra. Mas tenho a experiência de um piloto de 35, 40 anos, por ter começado tão
cedo no kart e por eu ter dedicado tanto tempo. Então, toda a experiência que
eu adquiri no kart, que foi a minha maior escola no automobilismo, foi enorme.
Eu estive15 anos de kart e 15 anos assim de profissional, era um hobby, mas eu
me dedicava como profissional.
Rodolpho Gamberini: E você chega a ficar
animado quando percebe que na prova vai chover?
Ayrton Senna: Não, o problema é um só! É que
toda vez que chove o pessoal já fala: “Ah, o Ayrton já ganhou. Vai ser moleza,
barbada”. E não é assim porque é duro, que na chuva, você não pode cometer
nenhum erro. Um pequeno deslize e o carro não para mais. Você põe uma roda fora
da pista…
Paulo Markun: Um pequeno deslize e ele sai
deslizando…
Ayrton Senna: Não, na chuva quando você põe
uma roda fora da pista, na grama, parece que você aumenta a velocidade em vez
de diminuir. Então você não pode errar. Inclusive, a minha primeira vitória,
que foi em Portugal, foi sob uma chuva tremenda. A televisão não pegou, mas eu
dei duas escapadas que eu passei ralando no guard rail. Eu não bati porque me
“seguraram” [juntando as mãos e apontando para cima] e ganhei a corrida.
Galvão Bueno: Ayrton, o Stewart uma vez tinha
uma frase na Fórmula 1, Jackie Stewart [piloto de Fórmula 1], “o primeiro é o
primeiro e o segundo não é ninguém”, mas eu acho que isso é muito mais a cabeça
do brasileiro do que a própria cabeça do Stewart. Você dizia quem foi que não
teve sucesso nenhum? O Ingo [Hoffmann], o Chico [Serra], quer dizer, o
[Maurício] Gugelmin agora… Ele sai daqui, vai para lá, é campeão inglês de
Fórmula 3. Vai à terra dos outros, é campeão no campeonato dos outros, corre de
Fórmula 1, e a gente considera como se eles não tenham tido sucesso nenhum…
Ayrton Senna: Não, mas veja bem…
Galvão Bueno: O cara saiu daqui, foi para lá,
foi campeão inglês de Fórmula 3. Os dois correram na Fórmula 1… O Maurício
[Gugelmin] é campeão… Eu acho que isso é muito da cabeça do brasileiro isso.
Não, não estou dizendo a sua, não. Eu quero é que você coloque até que ponto
isso te preocupa, até que ponto te pressiona?
Ayrton Senna: Não, veja bem! Se você prestar
atenção na minha resposta, eu disse que é difícil você manter o nível de
performance [Galvão fala algo incompreensível ao mesmo tempo que Senna] a cada
ano que passa. Então eu citei muito bem que o ponto mais crítico do piloto, que
está querendo chegar na Fórmula 1, é exatamente o ano que antecede uma possível
ida à Fórmula 1. Foi o que aconteceu com o Chico e com o Ingo. Quando eles
estavam para ter um ano de sucesso, aí teriam uma chance de ir para Fórmula 1,
eles foram mal. E aí não conseguiram uma nova chance para se refazer. O
Maurício é um exemplo disso, só que ele teve essa chance e vai ter essa chance…
Galvão Bueno: Não… Os dois foram na Fórmula 1,
né?
Ayrton Senna: Mas foram para uma equipe ruim…
Num carro que não tinha condições de…
Galvão Bueno: Não eu não estou discutindo a
performance deles, não. Eu estou colocando a coisa nesse nível. O brasileiro
sai daqui, é campeão na terra do outro…
Ayrton Senna: Brasileiro ganha tudo quanto é
campeonato lá. Todo ano brasileiro ganha campeonato de Fórmula Ford e Fórmula
3. É raro o ano que não aconteça…
Galvão Bueno: Cada vez que chega um brasileiro
na Inglaterra, um inglês bota a mão na cabeça e diz assim: “Não, mais um eu não
aguento, veio mais um para ganhar”. E a gente fica cobrando de cada brasileiro
um campeão mundial de Fórmula 1…
Ayrton Senna: Não, o problema do brasileiro é
esse. Que o brasileiro está acostumado, em termos de automobilismo e futebol, a
só ganhar…
Galvão Bueno: Agora você vai responder…
Ayrton Senna: Então o Brasil é várias vezes
campeão do mundo de futebol, várias vezes campeão do mundo de automibilismo.
Então o brasileiro se acostumou que é campeão…
Marcelo Resende: Você tem time de futebol?
Ayrton Senna: Sou corinthiano, mas não sou
roxo. [risos] Então brasileiro só vê primeiro lugar, porque está acostumado,
pô! Quem está acostumado a comer caviar, não acostuma a comer arroz e feijão,
não é verdade?
Rodolpho Gamberini: Ayrton… Você terminou essa
resposta? Porque eu estou aqui cercado de perguntas de telespectador. Tem uma
porção. E eu percebi que a maioria das pessoas que telefonam para cá, é de
moças. Você disse no começo do programa que não fazia muito sucesso… Mas a
maioria esmagadora…
Ayrton Senna: Só tem que avisar pra elas para
ligar lá pra assessoria para marcar…
[vários entrevistadores falam junto]
Ayrton Senna: Olha, é o Armando Botelho que
cuida dessa área…
Rodolpho Gamberini: A maioria é de mulheres. E
tem uma pergunta da Eliana, não deu o sobrenome, mora no Tatuapé. E ela te faz
a seguinte pergunta: “Se uma mulher tivesse poder econômico e habilidade para
pilotar um carro de Fórmula 1, ela conseguiria? Ou a Fórmula 1 – opinião dela –
é um clube do Bolinha, onde Luluzinhas não são aceitas?”.
Ayrton Senna: Ah, teve inclusive a Lella
Lombardi, que correu de Fórmula 1…
[entrevistador não identificado]: Teve a
Divina Galica…
Ayrton Senna: Teve! O problema é que tiveram
duas, três. Então, em questão numérica, os homens estão dando de 10 a 0. Existe
a barreira que é natural. O automobilismo é tido como um esporte para macho,
cabra macho e tal. E a mulher encontra muitas barreiras.
Rodolpho Gamberini: Então eu vou aproveitar e
te fazer uma outra pergunta de telespectador para gente encerrar o programa. É
uma pergunta boa para gente encerrar. O Sérgio Silva que mora no Tremembé. Ele
pergunta: “Qual é o piloto pior para se ter pela frente quando se precisa fazer
uma ultrapassagem e quais são os três melhores pilotos que você conhece na
Fórmula 1?”. O pior, quando você está atrás e tem de ultrapassá-lo. E os três
melhores pilotos, aí você pode, se quiser, lembrar de todas as épocas da
Fórmula 1.
Ayrton Senna: Eu diria que o pior de todos é
aquele que não olha no espelhino. Na hora que você vai passar, você está crente
que o cara te viu, e ele não viu e… [Bate palma, imitando uma batida].
Rodolpho Gamberini: Mas não tem um que seja
mais mau caráter…
Marcelo Resende: Quem é que não olha no
espelhinho normalmente?
Ayrton Senna: Tem alguns que nem têm
espelhindo. [risos] Eu não vou citar nomes, não vou citar nomes de jeito
nenhum, mas tem…
Rodolpho Gamberini: Pode falar, eles não
entendem português…
Ayrton Senna: Não, de forma alguma, mas tem. É
normal.
Galvão Bueno: Vai que tem e é por isso que ele
não quer dizer. [risos]
Ayrton Senna: Pilotos melhores… Aí tem uma
infinidade. Mas que eu vi na televisão, que eu estava lá todo domingo cedo,
levantava ligava a televisão para assistir, como muito da meninada faz… Então é
o Jackie Stewart, é o Emerson [Fittipaldi] e eu tinha uma admiração muito
grande pelo [Gilles] Villeneuve, pelo arrojo dele e pelo profissionalismo do
Niki Lauda. Então, eu acho que se fosse possível combinar as grandes qualidades
de cada um deles e juntar num piloto só, seria imbatível…
Rodolpho Gamberini: No Niki Lauda, qual é a
qualidade que você vê maior?
Ayrton Senna: É altamente profissional, frio,
tem um auto-controle incrível.
Rodolpho Gamberini: E no Gilles Villeneuve?
Ayrton Senna: O arrojo, o ímpeto. Mas sem o
controle.
Marcelo Resende: É, gostaria de saber quem é o
mais completo hoje? O mais completo de preferência… Ficar só o primeirão lá…
Ayrton Senna: Você continua bostinha heim… Eu
vou responder essa pergunta por você, tá? Eu acho que estaria entre o Prost,
entre o Piquet e ainda o Lauda. Ele parou de correr, mas eu acho que o Lauda é
um piloto completo.
Rodolpho Gamberini: E você se colocaria em que
lugar nessa lista?
Ayrton Senna: Estou chegando lá, eu estou no
vácuo.
Rodolpho Gamberini: Está no vácuo do Lauda,
que foi o terceiro que [palavra incompreensível]?
Ayrton Senna: Estou no vácuo de todos eles. No
ano que vem a gente vai tentar passar.Imagens cedidas pelo Cedoc-tvcultura/SP
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