sábado, 27 de outubro de 2018

Ayrton Senna da sua chegada ao hospital Maggiore até a confirmação da sua morte



 CAPÍTULO 9: O ACIDENTE E A MORTE DE SENNA COMO VOCÊ NUNCA VIU

Fonte: Livio Oricchio 28/04/2014
Não vi nada de diferente na rotina do hospital quando cheguei. Imaginava que haveria gente por todo o lado a fim de acompanhar uma eventual cirurgia em Senna. De imediato, compreendi que eu chegara bastante cedo ao hospital, a ponto de entrar no edifício e não ver um único jornalista. No fim de uma rampa que dá acesso a um saguão central, para onde todos se direcionam ao entrar no hospital, vi a primeira manifestação de que Senna estava lá. Um policial, um Carabinieri, estava agitadíssimo. Alguém acabara de lhe dizer que o piloto se acidentara e há pouco havia chegado ao hospital, transportado de helicóptero. Ele tinha o chapéu na mão e dizia: "Meu Deus, o que é isso não existe mais piloto como Senna, que corre com o coração. Eu o ouvi enquanto entrava rapidamente no saguão principal, atrás de notícias. Estava mais tenso ainda. Mas ali não havia jeito. Se eu falhasse, provavelmente comprometeria o restante da minha carreira naquilo que tanto me dedicara para conseguir, ou seja, cobrir o Mundial de Fórmula 1 para a grande mídia brasileira. Cada vez que me lembrava disso ganhava força para deixar de lado minhas emoções. Parei de pensar também nas reações que estavam ocorrendo no Brasil por conta do acidente de Senna, o que colaborou para eu me controlar. Nesse momento, vi Roberto Cabrini, repórter da TV Globo, com quem sempre tive boa relação profissional, e, um pouco mais tarde, Celso Itiberê, o correspondente do jornal o Globo em Milão. No Brasil, era domingo de manhã. Lembro-me de ter ligado para os jornais em que trabalhava, Estadão e Jornal da Tarde, além da Agência Estado, a fim de informar ao chefe de reportagem, Castilho de Andrade, que havia deixado o autódromo e me encontrava no hospital. Eu pensei comigo: se Senna morresse, todas as atenções estariam lá na Itália, ao menos até o embarque do corpo para o Brasil. Eu estava sozinho, seria o responsável por levar aos leitores dos jornais da empresa um painel de informações de tudo. Era uma grande responsabilidade. Isso fez eu me concentrar quase doentiamente no meu trabalho. Ao mesmo tempo, comecei a elaborar uma estratégia de cobertura. As notícias estariam no hospital, mas também no autódromo. Era imprescindível ouvir Frank Williams, dono da equipe de Senna, Patrick Head e Adrian Newey, os homens que assinaram o projeto do modelo FW16 pilotado por Senna. 
Médicos realmente profissionais 
Não encontrei no hospital um único cidadão que tivesse um mínimo de sensibilidade com o que estava se passando: um piloto de F1, ídolo em dezenas de países, mesmo na Itália, lutava para viver e os funcionários do hospital continuavam sendo mal-educados, grossos e desinteressados, mesmo com quem falasse em italiano com eles, como eu. O que faltava de bom senso a essas pessoas sobrava nos médicos deslocados para o atendimento. Todos solícitos e não escondendo nenhuma informação. Fomos orientados a não subir ao 11° andar, mas era impossível atender o pedido do hospital. A notícia estava lá. E eu não errei ao decidir pagar para ver. Logo que sai do elevador, encontrei um médico com roupas usadas no centro cirúrgico. “O senhor veio lá de dentro, viu o Senna, pode me dizer alguma coisa?”, perguntei, meio afobado, primariamente, imaginando ouvir um desaforo. Para a minha surpresa, nada disso ocorreu. Descobri tratar-se do doutor Servadei, um dos que atendeu Senna ainda na pista e o acompanhou, no helicóptero, até o hospital. Apesar de profissional, ele estava abalado. Com voz baixa, começou a me descrever o que viverá naquela última hora
Choque ao tirar o capacete 
Ele é quem fala: "Antes mesmo de retirar o capacete, ficamos impressionados com a quantidade de sangue que o piloto perdia. Alguma artéria havia sido atingida com certeza e minha primeira era, uma vez exposta a cabeça de Senna, tentar conter a hemorragia. Quem orientou a complexa retirada do capacete foi o doutor Sid Watkins, o médico da FIA. Mas tão logo tivemos acesso a sua cabeça, sem o capacete e a balaclava, compreendi que Senna não sobreviveria”, disse-me o dr Servadei. “Vimos que a base craniana estava aberta e ele perdia massa cefálica, cérebro, pelo corte de mais de um centímetro de largura que corria por trás das orelhas, de lado a lado da cabeça. Para mim, ele havia batido a cabeça no muro da curva Tamburello, em alta velocidade. Isso explicava aquele traumatismo generalizado na caixa craniana” Depois de ouvir aquilo, estava claro para mim que não havia mais o que fazer. A morte de Senna era uma questão de tempo. Pouco tempo. Lembro-me de ter procurado um lugar para sentar e dizer a mim mesmo que aquilo era verdade. Eu estava em choque. Nesse instante, passou um cidadão que, educadamente, me informou que os médicos do caso falariam no centro de conferências do hospital, no térreo. Profundamente abatido, sem saber o que pensar, fui para lá, sempre transportando  o meu bloco de anotações e o velho computador Laptop Toshiba 1000, uma peça de museu se comparada aos de hoje. Atrás da mesa do centro de conferência ficaram, de pé, o doutor Domenico Cosco, a doutora Maria Tereza Fiandri, o doutor Andreolli, neurocirurgião, o doutor Servadei e o doutor Gordini, anestesista. Não há nada que possamos fazer O primeiro a falar foi Andreolli, que descreveu o quadro como o mais traumático possível. "Não existe uma área específica do crânio que podemos atuar para a reparação, tudo foi danificado no acidente.O traumatismo é generalizado, bem como os danos ao todo tecido nervoso” explicou. Entre a minha conversa com o doutor Servadei, no 11° andar, e o início da conferência houve um intervalo de uma hora. Já haviam muitos repórteres no hospital para acompanhar o caso. Na sala de conferência, pude observar até até mesmo doentes de pijama, internados, que sabiam da internação de Senna em estado de emergência. Desejavam mais notícias. A consternação pelo anunciado pelo doutor Andreolli foi impressionante. As pessoas tomaram consciência de que Senna, ídolo de tanta gente, aquele que parecia imortal, morreria no máximo em questão de horas. Entrei em contato com o nosso chefe de reportagem para informar o que já apurara e o que viria pela frente. Como eu teria de escrever um volume respeitável de textos naquele dia, Castilho sugeriu que eu já enviasse o primeiro com o que tinha até então. Achei prudente. Sentei numa das cadeiras da sala de conferência e conectei meu laptop em uma tomada que descobrira ali, próximo da mesa dos médicos, que já haviam deixado o local.
 Comportamento irracional 
Nesta hora, apareceu um cidadão, daqueles imbecis que há pouco citei, dizendo que não poderia ficar lá. "Vou fechar esta sala", disse, com a maior agressividade pensável. Eu lhe pedi que me desse uns 50 minutos para redigir um texto. Isso em nada alteraria a rotina do hospital. Outros jornalistas também manifestaram a necessidade de trabalhar. Quase sem olhar para nós o indivíduo foi até o painel de controle de luzes da sala e nos ameaçou, com a mão nas chaves elétricas: se não saíssemos de lá naquele instante desligaria a luz do ambiente. Fechei meu laptop e fui embora. Fui procurar o doutor Servadei novamente, o do helicóptero, que tão gentil se mostrara. Por sorte, o encontrei numa sala do térreo. Ele me deu mais detalhes: "A hemorragia que Senna tinha ainda na pista era tão violenta que durante o voo nós lhe demos litros de sangue". Ele também falou da perda de líquor, líquido cefalorraquidiano existente entre as camadas nervosas, a fim de protegê-las. "Em decorrência da desaceleração sofrida pelo cérebro, Senna perdia massa cinzenta e líquor, o que começou a deformar rapidamente suas feições”. Toda vez que essas camadas são rompidas, o líquor, mantido sob elevada pressão entre elas, se espalha pelas cavidades que encontra, causando o inchaço de todos os tecidos. Em outras palavras, a cabeça de Senna estava se deformando rapidamente, ganhando volume.
Vida vegetativa O doutor Gordini, o anestesista, próximo ao doutor Servadei, contou-me também outra passagem durante o voo de helicóptero até o Hospital Maggiore: "Senna teve uma depressão respiratória importante. Nós administramos drogas que reverteram o quadro. Mesmo que ele não tivesse sofrido todos os estragos no cérebro, decorrentes do impacto no muro, só aquela depressão já lhe teria causado danos irreversíveis no tecido nervoso. Ele teria apenas vida vegetativa. Seu cérebro recebeu pouco oxigênio durante um tempo precioso. No CTI, Senna chegou a ter uma parada respiratória. De novo, nós o reanimamos” Observe que em nenhum momento os médicos falaram em afundamento do frontal, causado por algum componente do carro que se projetou na direção da cabeça no momento do impacto. Hoje, acredita-se que a barra que conecta a manga de eixo da suspensão dianteira direita ao conjunto mola-amortecedor, denominada push-rod, se soltou no choque do Williams no muro e se deslocou na direção do capacete de Senna. A seguir a barra perfurou a viseira e pressionou a cabeça do piloto contra a parte de trás do cockpit. Essa compressão é que teria causado a fratura da base do crânio, descrita pelo doutor Servadei. A barra atingiu antes a artéria temporal, gerando forte hemorragia. Recapitulando: pouco antes das 16 horas eu já estava no Hospital Maggiore e conversava com o doutor Servadei, na porta do CTI. Às 16h30 a doutora Fiandri anunciou, no centro de conferências do hospital, que o neurocirurgião, doutor Andreoli, falaria sobre o estado de Senna. Ficamos sabendo que não havia como intervir cirurgicamente e que a morte era uma questão de horas. Depois, voltei a falar com os médicos presentes no autódromo e eles me deram mais informações do atendimento. A doutora Fiandri, que se tornou uma espécie de porta-voz do grupo médico, nos avisou que só se pronunciaria se tivesse “alguma novidade”. Às 17h55, ela surge novamente no saguão principal do hospital, na porta do pronto-socorro. A esta altura, o hospital não mais permitia o acesso ao 11° andar, onde estava Senna, no CTI. Morte cerebral A doutora Fiandri estava visivelmente emocionada. Uma multidão de repórteres se aproximou para ouvi-la. Não se manifestou até que o silêncio foi feito. Eu estava ao seu lado. Com a voz embargada, a médica afirmou: “Senhores, o eletroencefalograma de Senna não acusa mais atividade elétrica”. Deu uma pausa. Parecia estar se recompondo. "Senna tem morte cerebral". Saiu em completo silêncio, devagar. Os profissionais de imprensa que permaneceram no autódromo, a esta altura, com o fim da corrida, já estavam no hospital. Para a maioria, aquele foi o primeiro contato com os médicos que cuidavam de Senna. A notícia causou comoção em todos. Quem estava lá já sabia que o desfecho do caso seria aquele. Uma disputa intensa pelos telefones públicos seguiu. A telefonia celular de longa distância estava apenas começando. Não me lembro de ver alguém com celular na época. O comunicado da doutra Fiandre informava, no fundo, a morte de Senna. Seu coração continuava batendo, mas não por muito tempo. Vi pessoas chorando, entre eles jornalistas muito emocionados também. Eu ainda não chorara, talvez por conta daquele preparo a que me submeti, dizendo a mim mesmo que, ao menos enquanto estivesse ali, atrás de informações, mantivesse a situação sob controle. Mas estava abalado, sem dúvida. Todos nós, jornalistas, precisávamos nos comunicar com nossas bases, para, de novo, informar o andamento das notícias. A doutora Fiandri, por exemplo, disse que só voltaria a falar com a imprensa às 21 horas ou se "tivesse alguma novidade” Isso depois de anunciar a morte cerebral do piloto às 18:05hs. A verdade crua e dura Às 19h05, ela surgiu de novo, proveniente do pronto-socorro. Não era onde estava o piloto. Com os olhos marejados, claramente havia chorado, falou em voz pausada, carregada de emoção, enquanto não se ouvia um ruído sequer a sua volta, apesar da presença de centenas de jornalistas. Todos precisavam ouvir para acreditar"Senhores, por favor...(tempo para respirar fundo). Desde as 18h40, Senna não registra mais atividade cardíaca”, afirmou. Nova pausa. Ninguém se manifesta, silêncio absoluto. A doutora Fiandri sugere ter algo mais a dizer e todos se mantêm ao seu redor. Com os olhos cheios de lágrimas, afirma delicadamente: “Senhores, Senna está morto”


https://esporte.uol.com.br/f1/ultimas-noticias/2014/04/28/capitulo-9-o-acidente-e-a-morte-de-senna-em-detalhes-que-voce-nunca-viu.htm

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"BELO E SERENO"
Por Flávio Gomes 
SÃO PAULO (como todos) – Em maio de 2004, no décimo aniversário da morte de Ayrton Senna (hoje faz 19; o tempo passa, o tempo voa e nem poupança do Bamerindus tenho mais…), fui atrás da médica Maria Teresa Fiandri. Foi ela quem recebeu o piloto no Hospital Maggiore de Bolonha. Queria conversar com ela sobre o acidente, sobre aquele domingo, sobre os dias seguintes à tragédia. Era uma dívida que tinha comigo mesmo. Na semana do acidente, foi a única pessoa que quis muito entrevistar e não consegui. Entre outras coisas porque me demiti do jornal. E, de certa forma, ela foi a grande responsável por umas das matérias mais importantes que fiz, minha última na “Folha”. Porque a forma que imaginei para chegar a ela passava por encontrar uma antiga namorada que eu sabia que tinha voltado à Itália, 13 anos antes, para estudar medicina em Bolonha.Encontrei essa ex namorada procurando a dra FiandriCristina, o nome dela, tinha se formado em Bolonha e trabalhava como médica legal. Fez parte da equipe que realizou a autópsia em Senna. E me contou muita coisa sobre a morte, o estado do piloto, detalhes que só mesmo quem chegou muito perto teria condições de relatar.Foi uma boa entrevista, essa com a doutora Fiandri dez anos depois. Mas, curiosamente, meu gravador não funcionou. Tenho problemas com gravadores quando se trata do Senna. Ainda em 1994, eu e o Nilson Cesar, então meu colega de Jovem Pan, fomos à quinta perto do Estoril onde estava vivendo Adriane Galisteu. A casa pertencia ao Braguinha, empresário conhecido, ex-presidente do Bradesco, muito amigo de Senna e tal. Adriane ficou lá por meses depois da morte do namorado.Era a primeira vez que a namorada de Ayrton falava após o acidente e fizemos ao vivo, por telefone, durante o programa “São Paulo Agora”, da Pan. Era semana do GP de Portugal. Ficou ótima e está gravada nos arquivos da rádio, possivelmente. Mas eu também gravei. Coloquei o gravador ali do lado, play e REC e vamos embora. Quando terminamos, entramos no carro e eu disse ao Nilson: vamos escutar pra ver se ficou legal. Coloquei no toca-fitas, estava tudo OK, boa tarde ouvintes, estamos aqui em tal lugar e tal, começo, primeira pergunta, segunda e, de repente, silêncio total. Por alguma razão, o bendito gravador parou de gravar. Nunca vou entender essa porra. Fiz todos os testes e estava funcionando direitinho. Mas não gravou a Adriane na quinta de Portugal. Só o começo.Com a doutora Fiandri foi parecido. O Fábio Seixas estava comigo e deve lembrar de mais detalhes. Ou o gravador não funcionou, ou eu apertei o botão errado, ou esqueci de levar um gravador. Só sei que não gravei. Por sorte, anotei as respostas num bloquinho. E, também curiosamente, elas estavam muito bem gravadas na minha cabeça, de forma clara e cristalina, quando sentei para escrever o texto.Enfim, essa entrevista foi publicada quando este blog ainda não existia e acho que não coloquei aqui antes. Então coloco agora.

 
                                       Dra Maria Tereza Fiandri

O prédio é idêntico aos milhares que perpassam a paisagem das cidades do norte da Itália: baixo, quatro andares, pintado de bege, numa rua tranquila e arborizada da periferia de Bolonha. Via dei Lamponi, número 1. Ali, no segundo andar, vive a pessoa que avisou ao mundo, há dez anos, que Ayrton Senna não mais vivia. Foi por suas mãos que ele passou ao chegar ao Hospital Maggiore, 32 minutos depois de bater no muro da curva Tamburello, em Imola, a 35 km dali. Foi de sua boca que saiu, após uma agonia de quatro horas, a notícia que abalou as estruturas da Fórmula 1, chocou o mundo e deixou um país dobrado sobre sua própria dor.
A médica Maria Teresa Fiandri parou de trabalhar no Maggiore em 2001, depois de 36 anos de serviços. Naquele 1º de maio, era a chefe do setor de Anestesia e Reanimação. Como sempre, desde que o circuito passou a receber a F-1, em 1980, fazia parte das equipes de emergência que poderiam ser chamadas a qualquer momento para atendimento em casos de acidente.
Naquele 1º de maio, não precisou esperar o bip convocá-la. Quando Senna bateu, ela se levantou, vestiu o jaleco branco e já estava pronta para sair de casa rumo ao hospital quando o piloto mexeu a cabeça pela última vez.
Fiandri estacionava seu carro no pátio reservado aos médicos do Maggiore quando viu o helicóptero cor-de-laranja se aproximar. Trazia Senna e uma equipe de reanimação que tentava mantê-lo vivo. No helicóptero mesmo ele já havia recebido uma transfusão de 4,5 litros de sangue.
Ayrton tinha batido na abertura da sétima volta do GP de San Marino, a segunda sem o safety-car na pista. Seu carro, na entrada da Tamburello, guinou para a direita. Ele freou e reduziu marchas, de acordo com a telemetria. O impacto frontal, às 14h12 locais, aconteceu a 216 km/h. A barra da suspensão dianteira direita voltou-se contra o capacete, penetrou a viseira e atingiu sua cabeça pouco acima do olho direito. Ele morreu na hora. “Da pista, o doutor Gordini já tinha me avisado que havia pouco a fazer”, conta Maria Teresa.
Mas, como todo médico, Maria Teresa Fiandri fez o possível, mesmo sabendo que o quadro era irreversível. “Do ponto de vista cerebral, já não havia mais atividade imediatamente após a batida. Ele chegou ao hospital com o pulso fraquíssimo, quase sem pressão. Mas, depois, voltou ao normal. Só que não havia mais atividade cerebral, era apenas uma questão de tempo para que ele fosse legalmente considerado morto.”
Maria Teresa Fiandri, cinco filhos, três netos, todos homens, lembra de tudo, em detalhes. Ela diz ter consciência de que participou de um episódio histórico, mas não revela, no tom de voz suave e tranquilo, nenhum tipo de emoção especial, não diferente da que provavelmente teria se relatasse outros casos de pacientes que passaram por suas mãos.
E guarda, de Senna, uma imagem bem diferente daquela transmitida pelos que viram seu rosto, horas depois do acidente: “Ele chegou a mim pálido, mas belo e sereno”.
Pergunta – Doutora, em que condições Ayrton chegou aos seus cuidados, logo depois de descer do helicóptero?
Fiandri – Ele já havia recebido os primeiros socorros na pista e no helicóptero. Estava pálido, mas belo, sereno… Um jovem bonito, com os cabelos revoltos, os olhos fechados. É a imagem que guardo. Tinha um corte na testa, três ou quatro centímetros. Mais nada. Era a única ferida. Chegou ainda de macacão. Mas quando o viramos, vi que tinha muito sangue. E eu me perguntava: “mas de onde vem tanto sangue?” Saía de trás, da base do crânio. Lembro do macacão, quando lavamos, para devolver à família, tinha tanto sangue… E eu disse à Monica, uma assistente de enfermagem: “Não podemos entregar isso a eles assim”. Mas era colocar na água e a água ficar vermelha.
Pergunta – Ficou gravada na memória de todos aquele sangue na pista…
Fiandri – Foi da traqueostomia. O sangue era dele.
Pergunta – Onde a senhora estava no momento do acidente?
Fiandri – Em casa, assistindo à corrida pela TV. Quando vi a batida, e a cabeça dele caindo para o lado, já me vesti, antes mesmo de me chamarem. Nem esperei pelo bip. Sabia que seria necessária minha presença no hospital. Eu estava chegando com meu carro quando o helicóptero estava descendo.
Pergunta – Pela TV, deu para ter idéia da gravidade?
Fiandri – Pelo movimento da cabeça, eu concluí na hora que era algo muito grave. Ali ele já entrava em coma, mas o coma é um fenômeno muito estranho. Por isso foi só quando vimos o resultado da tomografia que tive certeza de que não havia nada a fazer, embora o doutor Gordini [Giovanni Gordini, que o atendeu na pista] já tivesse me avisado que não tinha volta. Aí fizemos um eletroencefalograma. Já não havia mais atividade elétrica. Quando ele chegou, o pulso estava fraquíssimo e quase sem pressão. Mas antes do eletro, tinha voltado tudo ao normal. Por isso, até ver a tomografia, quem sabe… Mas quando vimos, todos nós… Bem, aqui não há nada a fazer.
Pergunta – Já no hospital, como a notícia foi dada àqueles que estavam no 12º andar?
Fiandri – Eu me lembro de seu irmão, não sei se ele tinha noção da gravidade da situação. Eu o levei para ver os resultados dos exames. Expliquei que já não havia mais atividade elétrica. Mas quem assumiu o controle de tudo foi uma moça, que parecia tomar as decisões naquele momento [ela se refere a Betise Assumpção, então assessora de imprensa de Senna, hoje casada com Patrick Head, um dos sócios da Williams].
Pergunta – A senhora tinha a percepção de que participava, de certa forma, de um momento histórico?
Fiandri – Tinha. Mas mesmo assim, nessas horas você deixa isso de lado e segue os protocolos precisos de atendimento. A, B, C, D, todos os procedimentos. Isso ajuda a vencer a emoção. Alguns anos antes, houve um acidente de trem em Bolonha, e as primeiras vítimas que chegaram ao hospital eram crianças de 3, 4, 5 anos. Aí a disciplina é importante, senão você não faz nada. Eu fui para um canto e chorei por 30 segundos. “Agora chega”, disse. “Ao trabalho”. Com Senna, não chorei. Segurei a emoção. É uma forma de disciplina. Estávamos todos emocionados, mas isso não condicionou nosso trabalho.
Pergunta – Houve alguma chance de sobrevivência?
Fiandri – Não. Quando vimos o resultado do eletro… Bem, pela lei ele não estava morto, era preciso esperar o coração parar de bater. Mas não, não havia nenhuma esperança. Foi imediata a profundidade do coma na batida.
Pergunta – A senhora se lembra se dormiu naquela noite?
Fiandri – Em dias como aquele não se dorme sem umas 20 gotas de Valium… Era um jovem, um piloto, ele em particular, um pouco herói, carismático… Eu recebi muitas cartas do Brasil, de gente me perguntando se ele tinha recuperado a consciência… As pessoas tinham necessidade de saber algo.
Pergunta – A senhora é religiosa?
Fiandri – Não praticante. Mas penso em Deus, e isso ajuda. Depois vim a saber que ele era assim. Sabe, me parece que ele sempre achou que iria morrer jovem. “Morre jovem quem ao céu é caro”, dizem os mais antigos. Talvez se envelhecesse, não teria havido essa comoção. Ele deixou uma história que não deixaria se envelhecesse. É só uma opinião, mas eu acho que se ele pudesse escolher entre morrer jovem e envelhecer… Acho que pagaria esse preço.
                                    Hospital Maggiore de Bolonha Itália

http://flaviogomes.grandepremio.com.br/2013/05/belo-e-sereno/

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CHEGADA DE SENNA NO HOSPITAL MAGGIORE

1h12 Chegada de Senna ao hospital Maggiore

FRADE PROCURA SENNA PARA FAZER A EXTREMA-UNÇÃO 

 É duro dizer, mas sua face não era humana'
RICARDO SETYON; MICAELA TRIGO
DE BOLONHA, ESPECIAL PARA A FOLHA
Reportagem à FOLHA DE SÃO PAULO 04/05/1994
O frade Amedeo Zuffa, 82, da Ordem dos Capuccinos, estava no 12º andar do hospital Maggiore, em Bolonha, onde mora, quando percebeu o que estava acontecendo.
Amedeo somente sabia que era um piloto muito famoso e querido, que havia conhecido na sexta-feira, quando Rubens Barrichello foi internado, após seus acidentes nos treinos.
E foi aí também que percebeu o quanto que esse piloto famoso e querido, de nome Ayrton Senna, era importante para seu país.
O frade Amedeu desceu imediatamente para saber maiores detalhes do acidente.
"Quando desci, desconhecia a consequência desse acidente. Logo que soube o que havia acontecido, tentei localizar algum parente de Senna, para poder fazer a extrema-unção. Foi quando me apresentaram o irmão de Senna, Leonardo. Ele me pediu para entrar e fazer a extrema-unção, porque Senna era um grande católico."
O frade Amedeo ficou chocado com a imagem de Senna, segundo ele "um rapaz de rosto simpático e tranquilo".
"Há muito tempo que não via uma pessoa ter seu rosto tão modificado. É duro dizer, mas a sua face não era de um ser humano. De qualquer modo o que eu tinha à minha frente era um ser bom, segundo muitas pessoas, um grande crente em Deus. Depois de me recuperar do choque, absolvi-o dos pecados e fiz a reza do S. Giacommo, em nome de todos nós, para que tenha a inteira paz nos céus", completou.
Depois de ter estado em 1990 no Brasil, onde tem parentes, e ter visto a tristeza não só a nível brasileiro, como mundial, frade Amedeu realmente entendeu o que Senna significava para o Brasil.
(RSt e MTg)
1h38 O médico oficial da FIA, Sid Watkins, diz que Senna tem fraturas múltiplas no crânio
 

1h46 O hospital Maggiore anuncia que o estado de Senna é "muito grave". Sofreu choque hemorrágico, está em estado de coma profundo e passa por uma tomografia no cérebro

4h42É anunciada a morte de Senna
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Rosto do piloto ficou desfigurado
Fãs de Senna põem flores no muro onde bateu o Williams
FLÁVIO GOMES
DO ENVIADO ESPECIAL
FOLHA DE SÃO PAULO 03/05/1994
O rosto do piloto brasileiro Ayrton Senna ficou irreconhecível em razão das fraturas múltiplas que o piloto sofreu na base do crânio.
A informação partiu de um funcionário do Instituto Médico Legal de Bolonha que não quis se identificar.
O corpo de Senna foi levado para o IML anteontem às 21h27. Segundo o funcionário, sua cabeça estava muito inchada e havia manchas negras causadas pelas hemorragias internas provocadas pelo acidente.
Houve o rompimento da artéria temporal (que fica na parte lateral do cérebro).
Esse rompimento foi a causa do sangramento que deixou uma mancha na pista no local onde ele foi atendido pelo serviço médico do autódromo.

O corpo de Senna ficou no andar térreo do IML.
O Instituto está localizado num prédio antigo de tijolos aparentes na Via Irnerio, centro de Bolonha, cidade que fica a 35 km de Imola, onde foi realizado o GP.
O corpo foi colocado numa câmara frigorífica, junto ao corpo do austríaco Roland Ratzenberger, que morreu no sábado após um acidente nos treinos para o GP de Imola.
O pai de Ratzenberger esteve ontem pela manhã no IML e fez o reconhecimento do corpo. À tarde, o corpo foi liberado para ser levado a Salzburgo, sua cidade natal.
Desde anteontem à noite, milhares de torcedores e fãs de Senna foram em romaria ao IML.
A polícia permitiu que muitos deles colocassem flores no saguão de entrada do prédio, mas a ninguém foi dada autorização para entrar e ver o corpo do piloto brasileiro.(FG) .............................................................................................................. 

Segunda 02/05/1994- AUTÓPSIA FEITA NO CORPO E O LAUDO

Base do crânio explodiu, descreve legista
FLAVIO GOMES
DO ENVIADO ESPECIAL
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO 04/05/1994 
A autópsia no corpo de Ayrton Senna começou a ser feita ontem às 10h locais (5h de Brasília) pelos legistas Michele Romanelli e Pierludovico Ricci, do Instituto Médico Legal de Bolonha. O laudo oficial tem 60 dias para ser preparado.
A Folha conversou com uma médica do IML que viu o corpo de Senna na segunda-feira de manhã(02/05) e ontem –antes e depois da autópsia. Segundo sua descrição, no dia seguinte ao acidente o rosto do piloto estava desfigurado. A médica pediu para que seu nome não fosse revelado.
Muito inchada, a cabeça quase se juntava aos ombros. Os médicos concluíram, após a autópsia, que Senna teve morte instantânea na batida a 290 km/h na curva Tamburello. Teve também parada cardíaca naquele momento e circulação praticamente interrompida.
Quando os médicos o reanimaram –ativando os batimentos cardíacos e a circulação artificialmente–, o piloto já havia morrido. A atividade cerebral era inexistente. Não há possibilidade de sobrevivência nesses casos.
Segundo a médica, a parte superior do corpo de Senna "parecia uma pirâmide". O tronco e os membros, porém, estavam intactos. "Não havia contusões. O problema foi na base do crânio, que explodiu", relatou. Ontem a cabeça estava menos inchada. O corpo do piloto foi vestido com um terno preto, gravata cinza e camisa branca comprados anteontem em Bolonha.
Não havia manchas de sangue nas costas do corpo. De acordo com a médica do IML, essas manchas são normais nas costas de pessoas mortas à espera de autópsia pela ação da gravidade.
"Ele já não tinha mais sangue", contou a médica. Na chegada do helicóptero ao hospital, uma enorme quantidade de sangue caiu no chão quando as portas foram abertas. Senna recebeu 4,5 litros de sangue no vôo de 12 minutos entre a pista e o hospital Maggiore, de Bolonha.
Senna foi autopsiado antes de Roland Ratzenberger, piloto austríaco da equipe Sauber, morto no sábado durante os treinos para o GP de San Marino.
Os dois corpos estavam lado a lado nas mesas do IML ontem. Ainda segundo a médica, apenas um ramalhete de flores foi deixado por torcedores ao austríaco. Senna recebeu centenas.
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Autópsia garante pagamento de US$ 35 milhões
FLAVIO GOMES
DO ENVIADO ESPECIAL*
O seguro de vida do piloto brasileiro Ayrton Senna tem o valor de US$ 35 milhões.
Ontem um funcionário da empresa seguradora, chamado Otto, telefonou para o IML de Bolonha para saber do andamento da autópsia no corpo do piloto. Ele falava alemão.
A autópsia é uma exigência da seguradora. O exame poderia ter determinado, por exemplo, que Senna tivera um problema físico qualquer antes da batida –como uma parada cardíaca ou um desmaio.
Nesse caso, a seguradora não faria o pagamento do prêmio. A autópsia determina se a causa da morte estava prevista na apólice de seguro.
A de Senna, claro, contemplava a possibilidade de morte em acidente em corridas de Fórmula 1.
A autópsia, porém, concluiu que o piloto morreu mesmo no impacto com o muro e que o acidente não teve outra causa que não um problema mecânico ou de perda de controle do carro.
Com isso, o valor será pago assim que forem concluídos os procedimentos burocráticos entre o escritório de Senna no Brasil e a empresa seguradora.
A equipe Williams ainda não se pronunciou a respeito da questão do seguro.
Anteontem, a escuderia de Senna afirmava que havia apenas um acordo oral entre o piloto e o Frank Williams, dono da equipe.
Além disso, a escuderia informou que somente o próprio Frank Williams poderia se pronunciar sobre o assunto.
O chefe da Williams, no entanto, recusa-se por enquanto a falar sobre o seguro de Senna.
Ele alega que não é conveniente tocar no assunto no momento, em respeito à memória do piloto.
(FG)

*Colaborou a Redação
 https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/5/04/esporte/25.html


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