0h00Largada do GP de San Marino
0h00min06O português Pedro Lamy, da Lotus, atinge o finlandês J.J. Letho, da Benetton, que não conseguiu largar
0h13min34O Williams/Renault de Ayrton Senna bate a quase 300 km/h no muro da curva TamburelloA batida ocorreu quando ele iniciava a sétima volta. Às 14h12 locais (9h12 em Brasília) a Williams/Renault de Senna passou reto na curva onde Nélson Piquet também havia se acidentado em 1987 –coincidentemente, outro 1º de maio.
0h13min49Chegam os bombeiros
Oh15Chegam os médicos. O piloto foi retirado do carro 1 minuto e 40 segundos depois do acidente. Seu coração não batia. A circulação sanguínea estava quase interrompida. Estava morto.A equipe médica o socorreu como de praxe. Para reanimá-lo, retiraram a parte de cima de seu macacão. Abriram um corte de um centímetro no seu pescoço. Ali, introduziram um tubo para que o ar entrasse em seus pulmões.
STEFANO BONAIUTI COORDENADOR TÉCNICO DE TODOS OS SERVIÇOES DA UTI E EMERGÊNCIAS DA REGIÃO DE BOLOGNA FOI O PRIMEIRO QUE CHEGOU AO SOCORRO DE SENNA. VEJA ABAIXO O QUE ELE RELATOU
Quando vi o rosto de Senna, fiquei gelado'
RICARDO SETYON; MICAELA TRIGO
DE BOLONHA, ESPECIAL PARA A FOLHA
Reportagem da FOLHA DE SÃO PAULO 04/05/1994
A 40 metros do mortal acidente de Ayrton Senna, Stefano Bonaiuti presenciou o fim da carreira do piloto. Esse enfermeiro de 40 anos, que também é o coordenador-técnico de todos os serviços da UTI e urgências da região de Bolonha, foi o primeiro a chegar ao socorro de Senna, antes de qualquer médico. Ainda abalado emocionalmente e entre choros, Stefano Bonaiuti deu entrevista à Folha:
Folha - Você viu bem de perto o acidente. Qual foi sua impressão do que aconteceu?
Stefano Bonaiuti - Eu estava muito perto da curva Tamburello. O que vi não vou esquecer nunca.
A velocidade que o carro entrou na curva era impressionante, mas já era de se esperar, quando uma organização não define um limite.
Além dos 30 cm de grama, a curva é feita só de concreto, sem nenhum tipo de proteção e amortecimento. Quando tirei o capacete de Senna, fiquei gelado.
Dois dias atrás, quando foi visitar Barrichello, cumprimentou-me e felicitou-me pelo grande trabalho que havíamos feito com Rubens, e naquele instante estava morrendo nas minhas mãos.
Folha - No hospital, o ambiente era de muita tensão, mesmo antes de o corpo chegar. Como pode descrever a situação da equipe no transporte de Senna?
Bonaiuti - Quando retiramos o capacete de Senna a visão foi terrível. Em 17 anos de experiência, poucas vezes vi um rosto em tão péssimas condições.
Mesmo antes de o helicóptero chegar, já trabalhávamos na reanimação do corpo, mas a hemorragia era muito grande, devido ao grande impacto no lado frontal direito da cabeça.
Era inacreditável ver o quanto Senna lutava como um touro para continuar vivo, juntamente com o corpo médico, que continuou lutando para haver reações positivas.
No hospital, para ganhar mais tempo, corria com os resultados do eletroencefalograma de um lado para outro, sempre na esperança de que Senna nos surpreendesse.
Folha - Qual é a impressão que Senna deixou em você depois desse terrível desastre?
Bonaiuti - Minha impressão e admiração pelo Senna já vêm de muito tempo atrás. Vem da época que ele começou a aparecer e a surpreender nas pistas, como ninguém mais poderia fazê-lo.
Era delicioso ver sua superioridade, conseguindo sempre o mais difícil, como ser o "campeão da chuva", mostrando a intimidade que tinha com as pistas.
Além de tudo, mostrou sempre ser uma pessoa conscienciosa, como no sábado, após a morte do piloto austríaco. Ele queria esclarecimentos sobre o acidente.
`O sangue corria de seu nariz e de sua boca'
RICARDO SETYON
DE BOLONHA, ESPECIAL PARA A FOLHA
Reportagem da FOLHA DE SÃO PAULO 04/05/1994
"Tenho 40 anos e sou o chefe da UTI e da divisão de primeiros socorros da região de Bolonha. Faz muito tempo que não via uma fragmentação craniana tão impressionante."
Gordinni foi o primeiro médico a socorrer Senna e também o único que seguiu o piloto no helicóptero e no hospital.
As edições extraordinárias de telejornais de domingo trazem a sua imagem em ação ao lado da maca.
"Nunca pensei encontrar um quadro clínico tão grave. Em mais de dez anos de automobilismo, não tinha visto um acidente assim. Tentamos manter a frieza, mas o estado do crânio de Senna indicava sinais de múltiplas fraturas e fortes hemorragias", disse à Folha.
"O sangue de Senna corria de seu nariz e de sua boca. Quando tiramos os tampões das orelhas houve um enorme fluxo de sangue. O golpe foi gigantesco e frontal. Não há capacete que proteja a cabeça de um piloto em um golpe a quase 300 km/h."
"Enquanto fazíamos a passagem da maca para o helicóptero, Senna demonstrava sinais gravíssimos de hemorragia e dificuldades na respiração. Decidimos fazer uma minitraqueotomia e obtivemos bons resultados."
"Com massagens cardíacas e todo o moderno equipamento do helicóptero, tínhamos alguma esperança em fazer uma intervenção cirúrgica e conseguir algum resultado."
Com grande emoção e longas pausas, Gordinni, entre várias explicações médicas, se disse chocado e revoltado: "Entre os minutos que se passavam, éramos 12 médicos especialistas fazendo de tudo para salvar a vida de um homem que havíamos visto estar preocupado com todos os acidentes anteriores".
"Mas as fraturas eram muitas e muito profundas. É difícil explicar o quanto o cérebro de Senna tinha sido afetado, levando em consideração que a cabeça do piloto estava aberta em vários pontos", disse.
"Estava com o coração batendo, mas sem quase nenhuma atividade cerebral. Decidimo então cancelar a cirurgia e tentar de tudo para reverter a situação."
Por fim diz: "O meu sentimento como médico é de um profissional que sofreu uma grande derrota. Como ser humano culpo todo o esquema pela morte de dois pilotos. Esses erros têm que ser pagos por alguém".
(RSt)
0h30O helicóptero com Senna decola para o hospital Maggiore, em Bolonha
0h34 Os destroços do carro de Senna chegam aos boxes
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Piloto bateu e morreu na hora
DA REPORTAGEM LOCAL
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO 08/5/1994
Ayrton Senna morreu no dia 1º de maio, segundos depois de bater seu carro no muro da curva Tamburello, no circuito de Imola, durante o Grande Prêmio de San Marino de Fórmula 1.
O piloto havia largado na pole position. Era o terceiro GP da temporada. Senna liderava a corrida. Precisava ganhar. Estava sem marcar pontos este ano. Seu rival, Michael Schumacher, estava a 0s682.
A batida ocorreu quando ele iniciava a sétima volta. Às 14h12 locais (9h12 em Brasília) a Williams/Renault de Senna passou reto na curva onde Nélson Piquet também havia se acidentado em 1987 –coincidentemente, outro 1º de maio.
O piloto foi retirado do carro 1 minuto e 40 segundos depois do acidente. Seu coração não batia. A circulação sanguínea estava quase interrompida. Estava morto.
A equipe médica o socorreu como de praxe. Para reanimá-lo, retiraram a parte de cima de seu macacão. Abriram um corte de um centímetro no seu pescoço. Ali, introduziram um tubo para que o ar entrasse em seus pulmões.
O corpo do piloto chegou às 14h44 locais (9h44 em Brasília) no hospital Maggiore, de Bolonha, norte da Itália. Segundo o médico Giovanni Gordini, da unidade de reanimação, o coração de Senna batia com o auxílio de equipamentos.
Com o impacto no muro, Senna sofreu fraturas múltiplas na base do crânio, afundamento frontal, ruptura da artéria temporal e hemorragia no sistema respiratório.
A morte do piloto só poderia ser dada como certa depois de constatado o fim da atividade cerebral. Isso era impossível na pista. Apesar das lesões, havia a possibilidade remota de o cérebro ter resistido.
Em casos de acidente, é comum a equipe de salvamento fazer com que o coração da vítima volte a bater. No hospital Maggiore, um exame mostrou que o cérebro do piloto estava morto. Se o coração continuasse batendo, Senna vegetaria.
Ayrton Senna foi dado como morto oficialmente às 18h42 (13h42 em Brasília).
Se um piloto morre na pista, a prova tem que ser interrompida. Nos treinos de sábado, dia 30 de abril, havia morrido na pista o piloto austríaco Roland Ratzenberger. Na sexta-feira, Rubens Barrichello se acidentou e não pôde participar da prova.
Uma morte na pista, mesmo em treino, impede a realização do GP de Imola. As mortes instantâneas de Senna e de Ratzenberger só se confirmaram com o resultado da autópsia: na terça-feira, dia 3 de maio.
"Ele está morto. Mas nós só vamos anunciar isso quando ele chegar ao hospital", teria dito Bernie Ecclestone, presidente da Foca (Associação dos Construtores de F-1), a Leonardo Senna.
Ecclestone nega. Michael Schumacher venceu o GP de Imola. Lidera o campeonato de F-1 com 30 pontos.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/5/08/caderno_especial/9.html
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BERNIE ECCLESTONE CONTOU PARA LEONARDO SENNA E A ASSESSORA DE AYRTON SENNA QUE O PILOTO BRASILEIRO JÁ HAVIA MORRIDO E QUE SÓ IRIAM ANUNCIAR ISSO MAIS TARDE PARA NÃO PARAR A CORRIDA, SID WATKINS DISSE QUE MORREU NA PISTA
A assessora Betise Assumpção resolveu contar, no aniversário de 20 anos da morte do piloto, detalhes sobre as horas seguintes ao acidente
São Paulo – Assessora de imprensa de Ayrton Senna quando de sua morte, há exatos 20 anos, Betise Assumpção, hoje casada com Patrick Head, o projetista da Williams que vitimou o piloto, resolveu conta
detalhes sobre as horas seguintes ao acidente na curva Tamburello.
"Leonardo (irmão de Senna) e eu saímos dos boxes da Williams e caminhamos em direção à torre de comando do autódromo em busca de mais informações. Quando nos aproximamos, Bernie (Ecclestone, chefão da F1) estava saindo de lá. Ele olhou para nós e disse ao Leonardo , agarrando-o suavemente pelo braço e dirigindo-o para o motorhome. ‘Eu preciso falar com você’.
Eu traduzi para o Leo e caminhei junto com eles. Bernie virou para
mim e disse: ‘Você não”. Então eu expliquei: “O Leo não fala uma palavra
de inglês”. Bernie balançou a cabeça e teve que aceitar, nos
direcionando ao motorhome. Quando entramos, Slavica (esposa de Bernie)
já estava lá. Sozinha, muito abalada e chorando. Bernie se sentou no
braço de uma poltrona; nós dois no sofá em frente. O Bernie disse que
tinha notícias do Ayrton. Leo estava branco.
‘Ele está morto’, falou. Pensei por alguns segundos, ‘Como eu posso
traduzir isto e dizer para o Leo de uma forma mais amena, considerando
que ele só falou duas palavras!’. Então eu me virei para o Leo e, da
maneira mais gentil e carinhosa possível, eu falei: ‘Leo, eu sinto muito
ter de te falar isto, mas ele está dizendo que o Ayrton está morto’.
Leo ficou atordoado. Ele olhou para mim, depois para Bernie. Não
disse uma palavra. Tive vontade de abraçá-lo. Ele começou a chorar. A
soluçar. Aí o Bernie acrescentou: ‘Mas nós só vamos anunciar mais tarde
para não parar a corrida’. E eu traduzi para o Leo. Mesmo antes de eu
terminar ele já estava descontrolado, chorando alto e tremendo. Eu
realmente não sabia o que fazer. Eu nunca tinha visto uma dor tão crua.
Bernie levantou-se , pegou uma maçã e começou a conversar com a
Slavica, que chorava ainda mais alto. Levei alguns minutos para
conseguir acalmar o Leo. Ele ainda estava muito abalado e incapaz de
dizer qualquer coisa quando eu lhe disse, mais uma vez da maneira mais
gentil possível. – e segurando suas mãos nas minhas.
“Leo, eu realmente sinto muito. Nossa, de verdade. Nem sei mais o
que dizer para você, mas uma coisa você tem que fazer. Você precisa se
recompor e ligar para seus pais no Brasil. Eles devem estar desesperados
e não pode ser eu a lhes dar esta noticia. Eles precisam ouvir isso de
você. Tenho certeza de que vai ser mais reconfortante para eles também “
Expliquei isso ao Bernie e ele, imediatamente, ofereceu o telefone
do motorhome. Leo fez a chamada. Foi quando Martin Whitaker, o então
assessor de Imprensa da FIA, entrou no motorhome. Bernie e Martin
conversaram por alguns minutos. Então Martin virou-se para mim e disse.
‘O que eu disse na sala de imprensa é que Ayrton teve ferimentos na
cabeça e foi levado para o hospital’
‘O Bernie acaba de nos dizer que o Ayrton está morto’, eu respondi.
Leo estava no telefone comunicando a sua família que o Ayrton tinha
morrido, em lágrimas. E novamente muito abalado. ‘Não, o que eu disse a
imprensa é que ele teve ferimentos graves na cabeça’, explicou Martin.
‘Sim, eu sei disso, mas já sabemos que ele está morto’, insisti ,
obviamente querendo dizer que ele não precisa nos dar o PR line; que nós
sabíamos a verdade. Martin fingiu não entender e repetiu a mesma coisa.
Então, eu o puxei para uma salinha menor na parte de trás do
motorhome. Tínhamos trabalhado juntos uns anos antes , quando ele era o
assessor de imprensa da McLaren. Então eu pensei que poderia contar com o
respeito dele. ‘Martin, eu acho que você não entendeu a delicadeza da
situação. O Leo já contou pra família que o Ayrton morreu. Eles já estão
lidando com uma dor enorme.’
“Betise, eu entendo isso. Mas eu disse à imprensa que ele tinha
ferimentos na cabeça e foi para o hospital. Eu não disse que ele está
morto’.
‘Sim, Martin, mas o que eu estou tentando dizer é que, se você
insistir nesta postura, eu vou ter que sair desta sala, e ir dizer ao
Leo que o Ayrton ainda está vivo e, consequentemente, dar a sua mãe e
seu pai a esperança de que ele possa se recuperar. Uma esperança que não
existe’. Martin foi categórico : ‘Betise , ele não está morto. Esta é a
informação que eu estou dando a todos’.
Saí da sala, contei pro Leo. Ele telefonou para o Brasil novamente e
disse a sua mãe Neyde e pai Milton. Passei as próximas cinco horas
traduzindo, organizando, transmitindo recados e lidando com as
esperanças e dores de Leo no hospital e da família no Brasil. Só quando o
Dr. Syd Watkins chegou ao hospital ficou tudo esclarecido.
Eu estava com a irmã do Ayrton no telefone me dizendo que eu deveria
rezar, eu deveria ter esperança, Ayrton era forte. Eu simplesmente não
conseguia fazê-los compreender a gravidade da situação. Tirei o telefone
da orelha e disse pro Syd. ‘É a Viviane. Ela não acredita quando eu
digo a ela o quão grave é o estado do Ayrton. Eu não sei mais o que
dizer. Você poderia falar com eles. Tenho certeza que vão te escutar’,
eu disse.
Syd olhou para mim. Ele estava visivelmente triste e com dor.
‘Betise, não há esperança nenhuma. Ele já estava morto na pista’. E
passou a descrever alguns detalhes de suas lesões na cabeça, que eu não
vou escrever aqui, em nome do bom gosto e em respeito à sua família e
amigos próximos. Eu fiquei muda. Cabeça vazia. Simplesmente
entreguei-lhe telefone. Ele foi bem curto. A situação era tão grave que
não tinha recuperação, ele não ia se recuperar.
https://ayrtonsennadobrasilblog.blogspot.com/2018/10/blog-post_90.html
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O QUE BERNIE FALOU PARA LEONARDO SENNA
Fonte: BETISE SPORTS WORD 01/05/2014
Nos últimos quatro meses, eu re visitei, praticamente todos os dias, aquele fim de semana trágico do Grande Prêmio de San Marino de 1994 . E de diversas maneiras. Foi uma decisão consciente para tentar , finalmente , absorver melhor tudo o que aconteceu lá . E eu não me refiro apenas aos acidentes e as perdas. Falo também das reações e comportamentos das pessoas no domingo e nos dias que se seguiram.
Há , inevitavelmente , uma imensa quantidade de material escrito , fotos publicadas e vídeos postado. A internet está inundada de homenagens. Nestas últimas semanas tres semanas diversos programas de televisão foram ao ar, meia dúzia deles só no Brasil. A Sky está mostrando em Londres um programa de uma hora todas as noites desta semana. Há , certamente , uma grande quantidade de coisa boa (como já mostrei neste blog) , algumas memórias pessoais e tributos bastante sensíveis e bem escritos. Mas também há muita besteira, desinformação , histórias auto centradas – aquelas que parecem ser mais sobre os que contam do que sobre os que viveram.
Acho difícil ler coisas como : ” Ayrton estava tranquilo naquela manhã, ele estava pensando em seu companheiro Ratzembergs motorista … ” Como é que alguém pode saber o que ele estava pensando ? “Ele não queria correr ” Mais uma vez, de onde eles tiraram essa informação? Todas as pessoas realmente próximas a ele são unanimes em afirmar que ele não tinha premonição nenhuma e que, em nenhum momento, falou que não iria correr. Alguns leram diversos livros publicados e / ou artigos, agregaram as informações e chegaram as conclusões. Ainda assim, estas informações devem ser tratadas como “De acordo com seu amigo fulano de tal , ele era assim.” Ou ” em seu livro, assim e assim está escrito que…. ”
O pior de todos para mim é: ” Bernie disse a Leonardo Senna que Ayrton estava morto ……” Algumas pessoas erraram o horário , outras o local – e isto transformou a história em algo completamente diferente- para se ajustar ao propósito de suas matérias.
Através deste blog, eu decidi contar algumas partes do que realmente aconteceu. Não tenho a intenção de apontar o dedo ou colocar a culpa . Quero simplesmente registrar o que realmente aconteceu , porque eu era uma das poucas pessoas que estavam lá, vivi de perto os acontecimentos daquele dia , na preparação para liberar o corpo , na viagem ao Brasil, no velório e no enterro.
Hoje, eu vou falar sobre aquela reunião. No interior do motorhome da então FOCA, em 01 de maio de 1994 , estava o Bernie , a Slavica ( sua então esposa) , o Leonardo e eu.
Leonardo e eu saímos dos boxes da Williams e caminhamos em direção a torre de comando do autodromo em busca de mais informações. Quando nos aproximamos, Bernie estava saindo de lá. Ele olhou para nós e disse ao Leonardo , agarrando-o suavemente pelo braço e dirigindo -o para o motorhome.
“Eu preciso falar com você”
Eu traduzi para o Leo e caminhei junto com eles. Bernie virou para mim e disse .Voce não.”
Então eu expliquei. “O Leo não fala uma palavra de Inglês ” . Bernie balançou a cabeça e teve que aceitar , nos direcionando ao motorhome .
Quando entramos, Slavica já estava lá. Sozinha, muito abalada e chorando. Bernie se sentou no braço de uma poltrona; nós dois no sofá em frente .
O Bernie disse que tinha notícias do Ayrton . Leo estava branco.
” Ele está morto ” , falou. Pensei por alguns segundos, “como eu posso traduzir isto e dizer pro Leo de uma forma mais amena , considerando que ele só falou duas palavras ! ” .
Então eu me virei para o Leo e , da maneira mais gentil e carinhosa possível, eu falei : ” Leo, eu sinto muito ter de te falar isto, mas ele está dizendo que o Ayrton está morto”
Leo ficou atordoado . Ele olhou para mim, depois para Bernie . Não disse uma palavra. Tive vontade de abraçá-lo. Ele começou a chorar. A soluçar. Ai o Bernie acrescentou :
“Mas nós só vamos anunciar mais tarde para não parar a corrida” . E eu traduzi para o Leo. Mesmo antes de eu terminar ele já estava descontrolado, chorando alto e tremendo. Eu realmente não sabia o que fazer. Eu nunca tinha visto uma dor tão crua.
Bernie levantou-se , pegou uma maçã e começou a conversar com a Slavica, que chorava ainda mais alto. Levei alguns minutos para conseguir acalmar o Leo. Ele ainda estava muito abalado e incapaz de dizer qualquer coisa quando eu lhe disse, mais uma vez da maneira mais gentil possível. – e segurando suas mãos nas minhas.
“Leo , eu realmente sinto muito. Nossa, de verdade. Nem sei mais o que dizer para você, mas uma coisa voce tem que fazer. Você precisa se recompor e ligar para seus pais no Brasil. Eles devem estar desesperados e não pode ser eu a lhes dar esta noticia. Eles precisam ouvir isso de você. Tenho certeza de que vai ser mais reconfortante para eles também ”
Expliquei isso ao Bernie e ele, imediatamente, ofereceu o telefone do motorhome. Leo fez a chamada.
Foi quando Martin Whitaker(foto acima) , o então assessor de Imprensa da FIA, entrou no motorhome. Bernie e Martin conversaram por alguns minutos. Então Martin virou-se para mim e disse .
” O que eu disse na sala de imprensa é que Ayrton teve ferimentos na cabeça e foi levado para o hospital”
” O Bernie acaba de nos dizer que o Ayrton está morto “, eu respondi. Leo estava no telefone comunicando a sua família que o Ayrton tinha morrido , em lágrimas. E novamente muito abalado.
” Não, o que eu disse a imprensa é que ele teve ferimentos graves na cabeça ” , explicou Martin.
. ” Sim, eu sei disso, mas já sabemos que ele está morto ” , insisti , obviamente querendo dizer que ele não precisa nos dar o PR line ; que nós sabíamos a verdade. Martin fingiu não entender e repetiu a mesma coisa.
Então, eu puxei-o para uma salinha menor na parte de trás do motorhome . Tínhamos trabalhado juntos uns anos antes , quando ele era o assessor de Imprensa da McLaren. Então eu pensei que poderia contar com o respeito dele .
“Martin , eu acho que você não entendeu a delicadeza da situação. O Leo já contou pra família que o Ayrton morreu. Eles já estão lidando com uma dor enorme. ”
” Betise , eu entendo isso. Mas eu disse à imprensa que ele tinha ferimentos na cabeça e foi para o hospital. Eu não disse que ele está morto ”
” Sim, Martin, mas o que eu estou tentando dizer é que , se você insistir nesta postura, eu vou ter que sair desta sala , e ir dizer ao Leo que o Ayrton ainda está vivo e, consequentemente, dar a sua mãe e seu pai a esperança de que ele possa se recuperar. Uma esperança que não existe”
Martin foi categórico : ” Betise , ele não está morto. Esta é a informação que eu estou dando a todos. ” .
Saí da sala , contei pro Leo. Ele telefonou para o Brasil novamente e disse a sua mãe Neyde e pai Milton . Passei as próximas cinco horas traduzindo , organizando, transmitindo recados e lidando com as esperanças e dores de Leo no hospital e da família no Brasil. Só quando o Dr. Syd Watkins chegou ao hospital ficou tudo esclarecido . Eu estava com a irmã do Ayrton no telefone me dizendo que eu deveria rezar, eu deveria ter esperança, Ayrton era forte. Eu simplesmente não conseguia faze-los compreender a gravidade da situação. Tirei o telefone da orelha e disse pro Syd. “É a Viviane . Ela não acredita quando eu digo a ela o quão grave é o estado do Ayrton. Eu não sei mais o que dizer. Você poderia falar com eles. Tenho certeza que vão te escutar ” , eu disse . Syd olhou para mim. Ele estava visivelmente triste e com dor. ” Betise , não há esperança nenhuma. Ele já estava morto na pista” ( e passou a descrever alguns detalhes de suas lesões na cabeça , que eu não vou escrever aqui , em nome do bom gosto e em respeito à sua família e amigos próximos ) . Eu fiquei muda. Cabeça vazia. Simplesmente entreguei-lhe o receptor.
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Médico critica demora no atendimento
LUIZ CARLOS DUARTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO 02/05/1994
Médico critica demora no atendimento
A demora da chegada da equipe de atendimento ao local do acidente (1min40s) foi classificada como "aflitiva" pelo médico Ailton Beraldo, 40, superintendente da Unicór.
Ele é um dos responsáveis pelo serviço médico e de resgate no GP Brasil de Fórmula 1.
Embora se abstenha de fazer uma crítica direta, sem ter maiores detalhes da operação realizada, Beraldo admite que houve lentidão na chegada da equipe médica.
Neste ano, durante exercício de simulação de resgate realizado em Interlagos, o "medical car" (ambulância equipada com instrumentos para pequenas cirurgias) demorou 12 segundos para atingir o ponto do "acidente".
Segundo ele, a chegada rápida é fundamental para evitar lesões no cérebro, especialmente nos casos em que o piloto sofre problemas de respiração.
"Há um tempo essencial, de três a quatro minutos, para que haja oxigenação do cérebro. Caso contrário, as lesões tornam-se irreverssíveis", afirmou.
Com a falta de oxigênio, as células do cérebro morrem, sem nenhuma condição de reconstituição ou reabilitação. O cérebro é o orgão responsável pelos comandos vitais do organismo, como, por exemplo, o sistema de respiração.
A equipe médica que socorreu Senna não realizou a traqueostomia até 3min30s depois do acidente. Além de demorar 1min40s para chegar, a equipe perdeu outros 2min nos primeiros socorros e remoção de Ayrton Senna do interior do carro.
Segundo Beraldo, é preciso ter maiores detalhes da localização no circuito de Imola das barracas de atendimento e das ambulâncias, além do "medical car".
Em Interlagos, a Unicór utilizou oito barracas e oito ambulâncias, distribuídas em pontos estratégicos e de maior concentração de perigo.
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O QUE BERNIE FALOU PARA LEONARDO SENNA
Fonte: BETISE SPORTS WORD 01/05/2014
Nos últimos quatro meses, eu re visitei, praticamente todos os dias, aquele fim de semana trágico do Grande Prêmio de San Marino de 1994 . E de diversas maneiras. Foi uma decisão consciente para tentar , finalmente , absorver melhor tudo o que aconteceu lá . E eu não me refiro apenas aos acidentes e as perdas. Falo também das reações e comportamentos das pessoas no domingo e nos dias que se seguiram.
Há , inevitavelmente , uma imensa quantidade de material escrito , fotos publicadas e vídeos postado. A internet está inundada de homenagens. Nestas últimas semanas tres semanas diversos programas de televisão foram ao ar, meia dúzia deles só no Brasil. A Sky está mostrando em Londres um programa de uma hora todas as noites desta semana. Há , certamente , uma grande quantidade de coisa boa (como já mostrei neste blog) , algumas memórias pessoais e tributos bastante sensíveis e bem escritos. Mas também há muita besteira, desinformação , histórias auto centradas – aquelas que parecem ser mais sobre os que contam do que sobre os que viveram.
Acho difícil ler coisas como : ” Ayrton estava tranquilo naquela manhã, ele estava pensando em seu companheiro Ratzembergs motorista … ” Como é que alguém pode saber o que ele estava pensando ? “Ele não queria correr ” Mais uma vez, de onde eles tiraram essa informação? Todas as pessoas realmente próximas a ele são unanimes em afirmar que ele não tinha premonição nenhuma e que, em nenhum momento, falou que não iria correr. Alguns leram diversos livros publicados e / ou artigos, agregaram as informações e chegaram as conclusões. Ainda assim, estas informações devem ser tratadas como “De acordo com seu amigo fulano de tal , ele era assim.” Ou ” em seu livro, assim e assim está escrito que…. ”
O pior de todos para mim é: ” Bernie disse a Leonardo Senna que Ayrton estava morto ……” Algumas pessoas erraram o horário , outras o local – e isto transformou a história em algo completamente diferente- para se ajustar ao propósito de suas matérias.
Através deste blog, eu decidi contar algumas partes do que realmente aconteceu. Não tenho a intenção de apontar o dedo ou colocar a culpa . Quero simplesmente registrar o que realmente aconteceu , porque eu era uma das poucas pessoas que estavam lá, vivi de perto os acontecimentos daquele dia , na preparação para liberar o corpo , na viagem ao Brasil, no velório e no enterro.
Hoje, eu vou falar sobre aquela reunião. No interior do motorhome da então FOCA, em 01 de maio de 1994 , estava o Bernie , a Slavica ( sua então esposa) , o Leonardo e eu.
Leonardo e eu saímos dos boxes da Williams e caminhamos em direção a torre de comando do autodromo em busca de mais informações. Quando nos aproximamos, Bernie estava saindo de lá. Ele olhou para nós e disse ao Leonardo , agarrando-o suavemente pelo braço e dirigindo -o para o motorhome.
“Eu preciso falar com você”
Eu traduzi para o Leo e caminhei junto com eles. Bernie virou para mim e disse .Voce não.”
Então eu expliquei. “O Leo não fala uma palavra de Inglês ” . Bernie balançou a cabeça e teve que aceitar , nos direcionando ao motorhome .
Quando entramos, Slavica já estava lá. Sozinha, muito abalada e chorando. Bernie se sentou no braço de uma poltrona; nós dois no sofá em frente .
O Bernie disse que tinha notícias do Ayrton . Leo estava branco.
” Ele está morto ” , falou. Pensei por alguns segundos, “como eu posso traduzir isto e dizer pro Leo de uma forma mais amena , considerando que ele só falou duas palavras ! ” .
Então eu me virei para o Leo e , da maneira mais gentil e carinhosa possível, eu falei : ” Leo, eu sinto muito ter de te falar isto, mas ele está dizendo que o Ayrton está morto”
Leo ficou atordoado . Ele olhou para mim, depois para Bernie . Não disse uma palavra. Tive vontade de abraçá-lo. Ele começou a chorar. A soluçar. Ai o Bernie acrescentou :
“Mas nós só vamos anunciar mais tarde para não parar a corrida” . E eu traduzi para o Leo. Mesmo antes de eu terminar ele já estava descontrolado, chorando alto e tremendo. Eu realmente não sabia o que fazer. Eu nunca tinha visto uma dor tão crua.
Bernie levantou-se , pegou uma maçã e começou a conversar com a Slavica, que chorava ainda mais alto. Levei alguns minutos para conseguir acalmar o Leo. Ele ainda estava muito abalado e incapaz de dizer qualquer coisa quando eu lhe disse, mais uma vez da maneira mais gentil possível. – e segurando suas mãos nas minhas.
“Leo , eu realmente sinto muito. Nossa, de verdade. Nem sei mais o que dizer para você, mas uma coisa voce tem que fazer. Você precisa se recompor e ligar para seus pais no Brasil. Eles devem estar desesperados e não pode ser eu a lhes dar esta noticia. Eles precisam ouvir isso de você. Tenho certeza de que vai ser mais reconfortante para eles também ”
Expliquei isso ao Bernie e ele, imediatamente, ofereceu o telefone do motorhome. Leo fez a chamada.
Foi quando Martin Whitaker(foto acima) , o então assessor de Imprensa da FIA, entrou no motorhome. Bernie e Martin conversaram por alguns minutos. Então Martin virou-se para mim e disse .
” O que eu disse na sala de imprensa é que Ayrton teve ferimentos na cabeça e foi levado para o hospital”
” O Bernie acaba de nos dizer que o Ayrton está morto “, eu respondi. Leo estava no telefone comunicando a sua família que o Ayrton tinha morrido , em lágrimas. E novamente muito abalado.
” Não, o que eu disse a imprensa é que ele teve ferimentos graves na cabeça ” , explicou Martin.
. ” Sim, eu sei disso, mas já sabemos que ele está morto ” , insisti , obviamente querendo dizer que ele não precisa nos dar o PR line ; que nós sabíamos a verdade. Martin fingiu não entender e repetiu a mesma coisa.
Então, eu puxei-o para uma salinha menor na parte de trás do motorhome . Tínhamos trabalhado juntos uns anos antes , quando ele era o assessor de Imprensa da McLaren. Então eu pensei que poderia contar com o respeito dele .
“Martin , eu acho que você não entendeu a delicadeza da situação. O Leo já contou pra família que o Ayrton morreu. Eles já estão lidando com uma dor enorme. ”
” Betise , eu entendo isso. Mas eu disse à imprensa que ele tinha ferimentos na cabeça e foi para o hospital. Eu não disse que ele está morto ”
” Sim, Martin, mas o que eu estou tentando dizer é que , se você insistir nesta postura, eu vou ter que sair desta sala , e ir dizer ao Leo que o Ayrton ainda está vivo e, consequentemente, dar a sua mãe e seu pai a esperança de que ele possa se recuperar. Uma esperança que não existe”
Martin foi categórico : ” Betise , ele não está morto. Esta é a informação que eu estou dando a todos. ” .
Saí da sala , contei pro Leo. Ele telefonou para o Brasil novamente e disse a sua mãe Neyde e pai Milton . Passei as próximas cinco horas traduzindo , organizando, transmitindo recados e lidando com as esperanças e dores de Leo no hospital e da família no Brasil. Só quando o Dr. Syd Watkins chegou ao hospital ficou tudo esclarecido . Eu estava com a irmã do Ayrton no telefone me dizendo que eu deveria rezar, eu deveria ter esperança, Ayrton era forte. Eu simplesmente não conseguia faze-los compreender a gravidade da situação. Tirei o telefone da orelha e disse pro Syd. “É a Viviane . Ela não acredita quando eu digo a ela o quão grave é o estado do Ayrton. Eu não sei mais o que dizer. Você poderia falar com eles. Tenho certeza que vão te escutar ” , eu disse . Syd olhou para mim. Ele estava visivelmente triste e com dor. ” Betise , não há esperança nenhuma. Ele já estava morto na pista” ( e passou a descrever alguns detalhes de suas lesões na cabeça , que eu não vou escrever aqui , em nome do bom gosto e em respeito à sua família e amigos próximos ) . Eu fiquei muda. Cabeça vazia. Simplesmente entreguei-lhe o receptor.
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Médico critica demora no atendimento
LUIZ CARLOS DUARTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO 02/05/1994
Médico critica demora no atendimento
A demora da chegada da equipe de atendimento ao local do acidente (1min40s) foi classificada como "aflitiva" pelo médico Ailton Beraldo, 40, superintendente da Unicór.
Ele é um dos responsáveis pelo serviço médico e de resgate no GP Brasil de Fórmula 1.
Embora se abstenha de fazer uma crítica direta, sem ter maiores detalhes da operação realizada, Beraldo admite que houve lentidão na chegada da equipe médica.
Neste ano, durante exercício de simulação de resgate realizado em Interlagos, o "medical car" (ambulância equipada com instrumentos para pequenas cirurgias) demorou 12 segundos para atingir o ponto do "acidente".
Segundo ele, a chegada rápida é fundamental para evitar lesões no cérebro, especialmente nos casos em que o piloto sofre problemas de respiração.
"Há um tempo essencial, de três a quatro minutos, para que haja oxigenação do cérebro. Caso contrário, as lesões tornam-se irreverssíveis", afirmou.
Com a falta de oxigênio, as células do cérebro morrem, sem nenhuma condição de reconstituição ou reabilitação. O cérebro é o orgão responsável pelos comandos vitais do organismo, como, por exemplo, o sistema de respiração.
A equipe médica que socorreu Senna não realizou a traqueostomia até 3min30s depois do acidente. Além de demorar 1min40s para chegar, a equipe perdeu outros 2min nos primeiros socorros e remoção de Ayrton Senna do interior do carro.
Segundo Beraldo, é preciso ter maiores detalhes da localização no circuito de Imola das barracas de atendimento e das ambulâncias, além do "medical car".
Em Interlagos, a Unicór utilizou oito barracas e oito ambulâncias, distribuídas em pontos estratégicos e de maior concentração de perigo.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/5/02/caderno_especial/2.html
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